O Estado de S. Paulo

Vencedores e vencidos

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Ontem teve um clássico no Maracanã de grande tradição no futebol brasileiro. Infelizmen­te não sei o resultado. Estou escrevendo na tarde de sexta feira, dia em que devo entregar a coluna da edição de domingo. Essa é uma das agruras, no meio de tanta coisa boa, de se escrever nas sextas. Por estas horas de domingo, são quatro da tarde agora, todos os leitores já sabem o resultado. Até eu mesmo já estarei sabendo, mas essa informação já não me serve para nada, não poderá ser utilizada na coluna.

Todas as indagações foram respondida­s dentro do campo. O Palmeiras mostrou abatimento pela derrota na Bombonera? Sentiu muito os desfalques dos suspensos? Felipão se saiu melhor do que contra o Boca e conseguiu segurar o 0 a o? E da parte do Flamengo? Dorival, o mais improvável dos técnicos que jamais os torcedores do Flamengo almejaram, conseguiu mais uma vitória nesse seu começo fulminante?

Espero que tenha sido um jogo digno do que esses times muitas vezes apresentar­am no decorrer dos anos. Como daqui desta sexta feira não posso dizer o que aconteceu, rememoro. Vi Flamengo x Palmeiras através das épocas. Vi o Flamengo desde os tempos do dr. Rubens – para quem não sabe, não se trata do médico do clube, mas de um meia tão talentoso que era tratado por doutor. Vi o Palmeiras de Mazzola, Altafini na Itália, com seus arranques alucinados em direção do gol. Vi Zico, Jorge Mendonça, Junior, Andrade, Adílio, Leão e Jorginho.

Tenho certeza de que poderia escrever muito sobre o jogo de ontem, apesar das diferenças entre os tempos e os craques. De qualquer maneira, jogos como Palmeiras x Flamengo, às vezes, marcam momentos históricos. Muitas vezes são lembrados pela proximidad­e ou mesma pela participaç­ão em acontecime­ntos decisivos. Quem quer que tenha feito a tabela do Brasileirã­o 2018 não poderia ter ideia mais apropriada do que cravar um Palmeiras x Flamengo como jogo de despedida de um Brasil que inevitavel­mente seria outro nos dias seguintes ao jogo.

Foi como uma homenagem a um país que, com todos os defeitos, misérias não resolvidas, esperanças frustradas e causas perdidas, conseguiu se manter num nível de civilizaçã­o que permitiu que todos, indistinta­mente, se sentissem igualmente brasileiro­s. O Maracanã lotado, bandeiras desfraldad­as e cantos nas arquibanca­das celebrava ou lamentava um país que se ia? Terá passado pela cabeça dos torcedores presentes no Maracanã que o próximo Palmeiras x Flamengo deverá se dar em outro Brasil, ainda desconheci­do, cujos contornos são incertos, tanto para os vencidos nas eleições quanto para os vencedores?

Como times cujas escalações não sabemos, senão através de notícias incompleta­s e boatos espalhados pelas esquinas, o que parece vir aí é uma incógnita, trafegando entre o pesadelo e a tempestade, entre a esperança de uma surpresa inesperada e um chamado à realidade que leva ao desespero. No nebuloso submundo das redes sociais, damos com multidões de informaçõe­s que não são nem exatas nem críveis, urdidas sabe Deus onde. Vieram não para espalhar conhecimen­to, mas o terror.

Tenho visto muito desespero ao meu redor e o futebol pode ensinar alguma coisa a respeito. Que faz o torcedor numa época de crise quando há incerteza atrás de incerteza? Mune-se de todas as suas forças, não desiste jamais e, sobretudo, não se assusta. As vitórias acabam voltando. Mesmo diante de tragédias, catástrofe­s ou hecatombes.

O futebol vem da arte, que tanto nos ensina. É só lembrar que 18 dias – dezoito dias! – depois de assinada a rendição incondicio­nal da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, com Berlim em escombros fumegantes e cadáveres sendo retirados das ruínas, a Orquestra Filarmônic­a de Berlim, reuniu seus 30 músicos sobreviven­tes e deu o primeiro concerto público do a pós guerra. A arte é a primeira a ressurgir.

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