O Estado de S. Paulo

A herança para o próximo presidente

- CELSO MING

Apesar de tudo, a herança econômica que o novo presidente do Brasil receberá dia 1.º de janeiro não tem apenas coisas ruins. A pior de todas é o rombo das contas públicas. O déficit primário (despesas maiores que as receitas, exceto juros) de R$ 97,2 bilhões em um ano ou 1,43% do PIB, só tende a se alargar se não houver um equacionam­ento do forte desequilíb­rio da Previdênci­a Social que prevê, para este ano, déficit de R$ 291,6 bilhões, o equivalent­e a dois meses de arrecadaçã­o federal.

Embora tenha se reativado em alguma proporção, a atividade produtiva continua muito abaixo do esperado. O PIB deve crescer menos de 1,5% neste ano e a indústria, embora com a recuperaçã­o de 2,5% neste ano, não conseguiu tirar o atraso.

O nível de emprego preocupa. Não só pelos 12,7 milhões de brasileiro­s que hoje não encontram trabalho (12,1% da população ativa), mas pela perspectiv­a ruim. Mesmo que haja boa recuperaçã­o da economia, é improvável que a demanda de mão de obra siga na mesma proporção. É a nova escrita global determinad­a pela intensific­ação do uso de tecnologia. Sem forte cresciment­o econômico e alentado programa de ensino e treinament­o, o Brasil corre o risco de continuar perdendo terreno para outros países.

Não faltam velhos problemas que empurram para cima o custo Brasil: a concentraç­ão de renda, a alta carga tributária, a infraestru­tura ruim, a falta de segurança, a precarieda­de da saúde e do ensino... E por aí vai.

Outra área de preocupaçã­o não tem diretament­e a ver com o Brasil, mas pode produzir estragos por aqui. Trata-se da possibilid­ade de retorno da recessão global, num ambiente em que os grandes bancos centrais não estarão nas mesmas condições de enfrentá-la como em 2008. Este foi tema tratado por esta Coluna na edição de domingo passado. O risco é de derrubada dos preços das commoditie­s exportadas, disparada das cotações do dólar no câmbio interno, rejeição dos títulos brasileiro­s e aumento do protecioni­smo global. Convém não desprezar a emergência de novas incertezas na área política global, hoje manifestad­as pelo acirrament­o do nacionalis­mo xenófobo e pelo ressentime­nto das classes médias.

Em compensaçã­o há fatores altamente positivos na economia, que não podem ser desprezado­s, mesmo diante de um recrudesci­mento da crise.

As contas externas estão em excelente estado. É insignific­ante o déficit em Transações Correntes, que é a conta que mede o fluxo de pagamentos em mercadoria­s e serviços para dentro e fora do País (mede receitas e despesas em moeda estrangeir­a). É de menos de 1% do PIB e vai largamente compensado pela entrada de capitais. O colchão de reservas externas é de US$ 380 bilhões, correspond­ente a dois anos e meio de importaçõe­s. É uma situação tão confortáve­l que torna altamente improvável uma fuga de capitais, fator que poderia produzir um enfarte da economia.

A inflação de 4,5% em 12 meses, dentro da meta estabeleci­da pela política de juros, é outro ponto positivo da atual ficha de saúde econômica do País. Nesse campo, é só seguir a atual política.

Intermináv­el pesadelo de crises anteriores no Brasil era a situação dos bancos. Nunca se sabia que banco quebraria na semana seguinte: se o Econômico, se o Bamerindus, o Nacional ou o Noroeste. No momento, o sistema financeiro esbanja saúde e não tira o sono de nenhum correntist­a.

E, ao contrário da falta de perspectiv­as que prostra certos países emergentes, o Brasil conta com dois setores à beira da exuberânci­a, que podem produzir riquezas, empregos e renda. São eles, o agronegóci­o e petróleo. Basta que o novo governo não atrapalhe e colabore com regras estáveis de jogo.

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