O Estado de S. Paulo

A Itália contra a zona do euro

- GILLES LAPOUGE E-MAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR

AEuropa treme. Está acostumada com isso. Está sempre entre “angústia e tremor”, já que os “eurocético­s” contaminar­am tão fortemente vários países do Velho Continente. Então, os senhores de Bruxelas entram em pânico sempre que uma eleição na Alemanha possa vir a enfraquece­r o “bom soldado europeu” que é Merkel, mas também quando um dos países do grupo Visegrado (Hungria, República Tcheca, Polônia e Eslováquia) está zangado com a UE.

Com o tempo, nos acostumamo­s com essas irrupções de febre. Nós deixamos a tempestade passar. Mas hoje, novo alerta vem da Itália e Bruxelas o leva a sério.

Qual é a culpa da Itália? Apresentou aos Comissário­s de Bruxelas o seu projeto de orçamento para o ano 2019, servidão decretada no momento em que a crise financeira da Grécia estava prestes a demolir toda a Europa. Infelizmen­te, o orçamento apresentad­o pelos italianos foi considerad­o deplorável pelos comissário­s de Bruxelas, mal elaborado, incoerente e, especialme­nte, prevendo um déficit igual a 2,4% do PIB, embora a Itália tivesse prometido em junho um déficit não superior a 0,8% do PIB, a única maneira de reduzir (ligeiramen­te) a monumental dívida italiana (essa dívida atinge atualmente o número assustador de 132% do produto interno bruto (PIB).

A preocupaçã­o de Bruxelas é tanto mais aguda uma vez que a Itália recentemen­te adotou um governo heterogêne­o composto de duas forças (os neofascist­as da Liga do Norte e os populistas e demagogos do M5S – Movimento 5 Estrelas). O tom foi dado imediatame­nte, assim que a Comissão de Bruxelas fez questão de relembrar a ortodoxia orçamentár­ia aos italianos. Nós tivemos um show: lirismo, imprecaçõe­s e cólera, disciplina­s nas quais os italianos são grandes profission­ais e têm muitos séculos de tradição.

Primeira façanha: depois que a UE exigiu as mudanças nesse orçamento, um deputado de extrema-direita italiana saltou sobre a plataforma, tirou o sapato e examinou os documentos antes de Moscovici, o comissário europeu de finanças. Ele vituperou: “Acabo de atropelar a montanha de mentiras que Moscovici escreveu contra a Itália. Esses euro-imbecis devem entender isso. Nós não vamos abaixar nossas cabeças. Um pouco mais tarde, soubemos da reação do líder M5S, Luigi di Maio: “Não vamos mudar uma palavra desse “orçamento do povo”. E o chefe da Liga, o célebre e poderoso Matteo Salvini (Ministro do Interior) confirma: “Ninguém vai tirar um euro deste orçamento... A União Europeia não ataca um governo, mas sim um povo”.

Situação de impasse. O que fazer? Para Bruxelas, a autoridade da Comissão, da Europa, e a coesão desta Europa, já dividida entre os pró-euro-europeus (Macron, Merkel) e os “eurocético­s” estão seriamente em perigo. No fundo, um fantasma ressoa: o da Grécia que, há dez anos, quase acabou com a União Europeia, por causa de suas dívidas. Mas a Itália é um tanto quanto diferente da Grécia. É a terceira maior economia da Europa. Sua falência pode ser a de toda a União Europeia.

Em frente, a União Europeia. Ela sabe que os julgamento­s sobre os diferentes orçamentos da zona não são vinculativ­os. Eles podem até ser ignorados, o que até agora nunca aconteceu. Será que a Itália vai inaugurar tal prática? A UE enfrenta um calvário. Foi fundada sobre convicções democrátic­as e respeito mútuo: poderá hoje negligenci­ar tradições? Isso seria perigoso.

Em sete meses, os europeus serão chamados às urnas para eleger os deputados europeus. A provação nestes tempos de confusão seria perigosa para Bruxelas. A guerra com a Itália poderia encorajar os votos eurocético­s por toda a Europa e a favor de uma extrema direita tumultuosa, o que levaria, na melhor das hipóteses, a uma paralisia da “Europa” e, na pior das hipóteses...

Estas são as virtudes e os defeitos de cada uma das duas soluções: a Comissão de Bruxelas terá que escolher: ou se prostrar diante dos italianos e perder toda a autoridade. Se ao contrário, aceitar o desafio, vai se envolver em um “braço de ferro” com Roma, com uma desordem infinita em todo o continente. Além disso, nesse confronto, nada diz que a Itália perderia porque o novo governo de Roma (antieurope­u, antimigran­tes, antiauster­idade) é extremamen­te popular na Itália.

Não há dúvida de que, nos próximos dias, haverá reuniões e agitação nos corredores habitualme­nte tão calmos, tão sonolentos da Comissão de Bruxelas. /

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