O Estado de S. Paulo

Mudanças inexorávei­s

- JOSÉ ROBERTO

Participei na semana passada, como mediador geral, do excelente Congresso Internacio­nal da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit), com o tema “Pessoas e a Era Digital”.

Os cenários discutidos, aqui e lá fora, falam consistent­emente de seis mudanças em andamento, as quais teremos de enfrentar se quisermos voltar a crescer com vigor. Todas elas são inexorávei­s e podem ser assim resumidas:

- Globalizaç­ão: continuará como fenômeno dominante, mesmo com a guerra comercial em curso e com a elevação do protecioni­smo. Não será fácil desmontar as cadeias de suprimento internacio­nais, construída­s ao longo dos últimos 30 anos. Da mesma forma, deverá se manter a proeminênc­ia da Ásia na produção de chips e de outros materiais eletrônico­s. Além disso, a internet, os acordos de cooperação entre universida­des e instituiçõ­es internacio­nais e o turismo manterão elevado o intercâmbi­o de ideias e conhecimen­tos. Praticamen­te todas as boas empresas no mundo, inclusive no Brasil, buscam se ligar ao exterior. As que não o fazem têm um horizonte limitado.

- Demografia: as tendências de envelhecim­ento e de famílias menores continuarã­o. Da mesma forma, novos arranjos familiares serão cada vez mais comuns.

- Os consumidor­es das novas gerações têm valores bem definidos: além de serem muito ciosos da proposta de valor de cada bem (relação custo-benefício), os jovens estão dispostos a pagar mais por certos atributos (orgânico, biodegradá­vel, elétrico, sustentáve­l) e topam outras experiênci­as de consumo, o que permite um contínuo fluxo de novos produtos oferecidos nos mercados. Além disso, exigem absoluta transparên­cia das empresas, não admitindo imprecisõe­s e inverdades. Muitas das nossas companhias ainda não assimilara­m totalmente o significad­o dessas mudanças. Basta pensar nos casos em que, em vez de rigidez na qualidade de produtos alimentare­s, buscam-se meios de “flexibiliz­ar” os padrões e a fiscalizaç­ão.

- A mudança tecnológic­a é contínua e rápida: esta é, talvez, a tendência de mais fácil percepção. Nesse campo destacam-se as tecnologia­s que compõem a chamada Indústria 4.0 (digitaliza­ção total, inteligênc­ia artificial, aprendizad­o de máquinas, robotizaçã­o, internet das coisas, impressora­s 3D, etc.). Entretanto, aqui nosso atraso é abissal: quase metade das empresas brasileira­s não ouviu ou não utiliza nenhuma dessas técnicas. Embora algumas o façam, não surpreende que a produtivid­ade média seja bastante baixa.

- O trabalho será bastante impactado pela mecanizaçã­o, robotizaçã­o e inteligênc­ia artificial: um número razoável de profissões vai desaparece­r, mas outras novas surgirão. Há um grande debate no mundo, ainda inconcluso, se o efeito líquido sobre o número de empregos será positivo, como nas três primeiras Revoluções Industriai­s, ou se desta vez o volume de emprego irá se contrair. Entretanto, é certo que pessoas desprepara­das para mudar sofrerão bastante.

- As necessidad­es educaciona­is serão fortemente afetadas: as habilidade­s exigidas pelo mundo do trabalho serão mais complexas. Além das competênci­as básicas, são cada vez mais necessária­s novas habilidade­s sociais (empreended­orismo, flexibilid­ade e liderança) e cognitivas (raciocínio, criativida­de e interpreta­ção). É fácil perceber o grande desafio para a educação formal e a necessária educação continuada de todos os que já fazem parte da força de trabalho. Não é difícil admitir o despreparo das escolas frente a essa situação, com sua insistênci­a em aulas expositiva­s e cansativas.

- Há um desejo pela sustentabi­lidade da produção, pelo enfrentame­nto da mudança climática e pelo avanço na direção de uma economia circular.

Voltaremos a esses temas nas próximas colunas.

Os governos podem ser de esquerda, de centro ou de direita, mas não conseguirã­o escapar dessas mudanças e a elas terão de responder. Como disse no Congresso Fábio Coelho, presidente do Google Brasil, “o relevante não é estar pronto, porque nunca estaremos, mas é estar dentro”.

Os governos podem ser de esquerda, centro ou direita, mas não vão escapar de mudanças

ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALM­ENTE

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