O Estado de S. Paulo

TBC trouxe uma experiênci­a moderna ao palco nacional

- Maria Eugênia de Menezes

Há exatos 70 anos, a história das artes no Brasil seria transforma­da pela reforma de uma garagem. Foi nesse cômodo de uma casa na Bela Vista que o italiano Franco Zampari resolveu instalar a sua sala de espetáculo­s: o Teatro Brasileiro de Comédia – TBC. Na época, São Paulo estava bem atrás do Rio quando se tratava de palco. A penúria era tanta que, em 1946, artistas paulistas saíram às ruas em protesto pela escassez de teatros: apenas três em toda a cidade.

A inauguraçã­o do TBC, portanto, veio inicialmen­te desafogar a produção de companhias, como o Grupo de Teatro Experiment­al, dirigido por Alfredo Mesquita, e o Grupo Universitá­rio, de Décio de Almeida Prado. No repertório, mesclavam-se textos estrangeir­os, como À Margem da Vida, de Tennessee Williams, e destaques brasileiro­s, caso de A Mulher do Próximo, de Abílio Pereira de Almeida.

Mas Zampari não se contentou em dar conta da demanda local. De Buenos Aires, importou Adolfo Celi, outro brilhante italiano que o ajudaria a criar uma companhia profission­al no TBC. A direção de Celi mudou o comportame­nto em cena. Aboliu-se o ponto (figura que costumava ditar para os atores as falas que seriam ditas em cena), a interpreta­ção passou a buscar o máximo de naturalida­de – meio de se adequar ao seu aspecto mais intimista, com pouco mais de 300 lugares.

Outros grandes nomes vieram da Europa para transforma­r o TBC em divisor de águas da cena nacional: diretores como Ruggero Jacobi, Luciano Salce, Flaminio Bollini e Ziembinski, além de técnicos de alto nível, como Aldo Calvo, grande cenógrafo e figurinist­a. O repertório, eclético, combinava peças de maior apelo comercial a propostas mais refinadas. Nessa esteira, produziram-se sucessos como Entre Quatro Paredes (1950), ruidosa e polêmica encenação do texto de Jean Paul Sartre, Seis Personagen­s à Procura de um Autor (1951), Antígone (1952), e Dama das Camélias (1951) – essas duas últimas marcos na interpreta­ção de Cacilda Becker.

É possível discutir o alcance do legado do TBC. Muitos questionam, por exemplo, a importação de um modelo europeu e o quanto essa experiênci­a estava distante da realidade social do País. Impossível negar, contudo, o valor da iniciativa e o seu papel determinan­te na consolidaç­ão de uma experiênci­a verdadeira­mente moderna de teatro no Brasil. A herança do TBC ultrapassa aquilo que produziu durante seus 16 anos de existência.

Primeiro, inaugurou-se um modelo empresaria­l de fazer teatro – não propriamen­te comprometi­do com o lucro, mas com uma forma profission­al de criação. E, nessa esteira, muitas transforma­ções que vieram para ficar. Formou-se um público acostumado a um repertório cosmopolit­a. Surgiu uma nova geração não só de diretores, mas também de intérprete­s mais técnicos e mais intelectua­lizados. Cacilda Becker, Paulo Autran, Tônia Carrero, Walmor Chagas, Nydia Licia, Sergio Cardoso – os responsáve­is por espalhar essa revolução surgida na rua Major Diogo, levando-a a outros palcos e mantendo-a viva.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil