O Estado de S. Paulo

Memória em risco

Após aporte de R$ 20 mi, Teatro Brasileiro de Comédia continua fechado

- Leandro Nunes

No lugar do estrondo dos aplausos, goteiras. Onde reunia-se a plateia, abrigo de morcegos. Este já foi o cenário encontrado no Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC. Entre os anos 1950 e 1960, a antiga garagem formou e lançou nomes fundamenta­is como Fernanda Montenegro, Cacilda Becker, Tonia Carrero, Sergio Cardoso, Paulo Autran e tantos outros. Neste mês, o TBC completou 70 anos, sem festa. Localizado na Rua Major Diogo, na Bela Vista, o prédio com seu anexo segue fechado há 16 anos, mesmo já tendo sido investidos mais de R$ 20 milhões em sua recuperaçã­o.

O valor orçado inicialmen­te para a reforma estrutural era de R$ 17 milhões, quando a Fundação Nacional das Artes (Funarte) instituiçã­o ligada ao Ministério da Cultura adquiriu o prédio em 2007. “Havia uma necessidad­e urgência. O prédio estava para cair”, conta Sergio Mamberti, então presidente da Funarte e integrante da Associação de Amigos do TBC do Teatro Brasileiro (ATBC).

O projeto de restauraçã­o capitanead­o pela Urdi Arquitetur­a confirma o ambiente descrito por Mamberti. “Foi mais que uma restauraçã­o, já que o teatro estava quase condenado a demolição”, conta o arquiteto Alberto Barbour, ao lado de Alexandre Liba. O local abarrotado de salinhas adaptadas pela antiga proprietár­ia, abriu espaço para a obra que reformou e qualificou tecnicamen­te a sala teatral com seus 250 lugares, o espaço multiúso e uma galeria de exposições.

Além da reforma da fachada, o projeto inaugurou um terraço com vista para o Teatro Oficina. “Não se trata apenas de um espaço teatral”, conta Liba. “A integração com o entorno também faz parte da preservaçã­o dessa memória. Uma pena é que um gasto enorme ainda não foi devolvido para a cidade.” O TBC está a menos de 300 metros do teatro de Zé Celso e em frente à construção história Casa de Dona Yayá, em uma importante região que responde por um terço dos tombamento­s da cidade de São Paulo.

As obras que deveriam ter uma conclusão milagrosa em três meses, foram feitas em seis anos, levando em conta as sucessivas aprovações necessária­s dos órgãos de proteção do prédio, municipal e estadual. Em 2013, o presidente da Funarte na época, Antonio Grassi chegou a anunciar um novo investimen­to de R$ 13 milhões, valor restante, para instalação da cenotecnia, luminotécn­ica, poltronas, e aparatos para o teatro funcionar. Os recursos nunca chegaram.

Em 2016, uma articulaçã­o iniciada na gestão do então Ministro da Cultura Marcelo Calero levou o diretor regional do Sesc Danilo Santos de Miranda a visitar o local recém reformado. Inicialmen­te, o plano era finalizar as obras e criar um centro de memória do TBC, com exposições e programaçã­o teatral. Em abril do ano passado, este foi um dos assuntos entre Miranda e o ministro à época, Roberto Freire. “A perspectiv­a de oferecer, eventualme­nte, programaçã­o e os serviços habituais como fazemos nas nossas unidades é interessan­te para o Sesc”, conta Miranda. Mas o alerta se acendeu quando o atual ministro Sergio Sá Leitão anunciou que o TBC seria repassado à iniciativa privada, proposta rejeitada e que mobilizou artistas como Fernanda Montenegro, o diretor Antunes Filho e Mamberti. Para Miranda, o projeto inspira atenção. “Não foi definido do que se trata: uma concessão, uma cessão, por quanto tempo?”

Em nota enviada, o Ministério da Cultura afirmou que “não existem recursos para reabertura do local por conta de restrições orçamentár­ias”. O texto lembra que modelos alternativ­os vem sendo propostos desde 2017. Um deles é o TBC ser administra­do pela Agência Brasileira de Museus (Abram), um fundo patrimonia­l criado para reconstruç­ão Museu Nacional, destruído por incêndio em setembro. O objetivo da agência é estimular doações privadas a projetos de interesse público, nas áreas de educação, ciência, pesquisa e cultura. Informaçõe­s sobre a situação do Teatro Oficina e Cultura Artística na pág. C3

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Dias difíceis. Endereço histórico de São Paulo está de portas fechadas há 16 anos

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