O Estado de S. Paulo

‘Uma Mulher em Guerra’ é original e encantador

Dirigido por Benedikt Erlingsson, filme vai construind­o sua trama de surpresa em surpresa, prendendo a plateia

- Luiz Zanin Oricchio

Todo ano é assim, a Mostra nos traz os filmes badalados, aqueles que ninguém pode perder, e também algumas surpresas muito agradáveis. Uma delas é Uma Mulher em Guerra, da Islândia. Um daqueles filmes que você pega para preencher uma vaga de horário, vai se interessan­do aos poucos e termina encantado com que acabou de ver.

A história é de uma originalid­ade rara nos dias de hoje, quando se considera que o cinema tem de enxertar um bom número de clichês para se tornar atraente ao público. Pois bem, Uma Mulher em Guerra, dirigido pelo cineasta Benedikt Erlingsson, segue caminho contrário e vai construind­o sua trama de surpresa em surpresa.

A protagonis­ta é Halla (Jalldóra Geirharosd­ottir), uma cinquenton­a que exerce dupla jornada de trabalho: é professora de expressão corporal e militante ecológica adepta de métodos radicais. Sua principal causa é contra a construção de uma usina de alumínio num paradisíac­o vale do seu país. Sua tática é cortar o fornecimen­to de energia para impedir o prosseguim­ento da obra, parceria com capital chinês.

Ao mesmo tempo, Halla procura adotar uma órfã ucraniana, cujos pais foram mortos na guerra. Tem uma irmã budista, que vai se mudar para a Índia em busca de iluminação.

A trama é realista mas usa uns toques vagamente surreais. Por exemplo, um grupo de instrument­istas aparece em toda parte e em circunstân­cias muito inesperada­s, funcionand­o como coro de teatro grego com seus comentário­s, unicamente musicais e em geral irônicos.

Esses efeitos de distanciam­ento tornam a trama ainda mais atraente. Mesmo porque a história é contada com um invejável rigor de linguagem cinematogr­áfica. O filme é preciso, tanto nos enquadrame­ntos, como nos movimentos de câmera e na montagem. Mas o destaque maior fica mesmo para sua atriz principal, com atuação forte e refinada em dois papéis – o da guerrilhei­ra ecológica e sua gêmea budista.

Dois filmes mais diretament­e políticos podem ser vistos também neste domingo: o argentino Viaje a los Pueblos Fumigados, de Fernando Solanas, e o espanhol O

Silêncio dos Outros, de Almudena Carracedo e Robert Bahar.

Solanas, autor (junto com Octavio Getino) de um dos clássicos do cinema documental sulamerica­no, La Hora de los Hornos (1968), continua a investir em seu cinema de denúncia, mostrando o poder das multinacio­nais e a complacênc­ia dos governos com o abuso dos agrotóxico­s. Solanas é cineasta corajoso, que aponta a irresponsa­bilidade com a saúde pública. Dá, por assim dizer, nome aos bois e expõe o poder do grande capital na indústria alimentíci­a. Quando será feito no Brasil um documentár­io de fato contundent­e sobre o agronegóci­o?

Em O Silêncio dos Outros, falase dos crimes do franquismo de como foram calados pela Lei do Esquecimen­to, a Anistia espanhola que empurrou as atrocidade­s do regime fascista para baixo do tapete e serviu de modelo para as leis de anistia em países que saíam de ditaduras na América Latina, como Chile e Brasil.

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MOSTRA DE CINEMA Precisão. Tecnicamen­te perfeito nos enquadrame­ntos

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