O Estado de S. Paulo

‘Impuros’ reflete sobre relações humanas da favela

Nova série da Fox apresenta traficante que entra para o crime após ver irmão ser morto por policial corrupto

- Matheus Mans

Uma das principais estratégia­s usadas por traficante­s é misturar amido de milho à cocaína, gerando um maior retorno financeiro. É a chamada droga impura, ou misturada. Ainda que este seja um dos elementos abordados na nova série da Fox, Impuros, não é pela mistura da cocaína com amido de milho que a produção foi batizada. Seu nome vem das impurezas das próprias relações humanas, sem maniqueísm­os, que nunca conseguem ser completame­nte puras. Não há só bandidos, não há só mocinhos. Tudo, segundo os criadores, pode estar contaminad­o.

“Não existe apenas o bem ou o mal. Somos todos seres humanos, com suas fraquezas e seus problemas. A história é cíclica e esses opostos acabam sempre se encontrand­o”, diz o escritor e criador do argumento central da série, Alexandre Fraga. “É isso que nós queremos contar com Impuros. Pensamos em toda essa complexida­de das pessoas, como isso vai além e como é preciso prestar atenção nessa ausência de mocinhos e bandidos. Às vezes, no final, a coisa mais pura de toda história pode ser a própria droga”, brinca o autor.

A história elaborada por Fraga e dirigida por René Sampaio e Tomás Portella se passa ao redor da vi- da em uma favela carioca nos anos 1990. O tráfico ali reina. As armas circulam, a cocaína é misturada. E no centro da trama está Evandro do Dendê (Raphael Logam), um jovem que leva uma vida comum até o assassinat­o de seu irmão por um policial. Sem chão e com uma dívida para honrar, ele decide entrar pro tráfico do morro e buscar vingança pela morte do irmão.

A partir daí, inicia-se uma briga de classes retratada outras vezes no cinema e na TV, tendo o ápice em Cidade de Deus, passando pelo sucesso de Tropa de Elite e chegando até a “americaniz­ação” em Trash. A diferença aqui, porém, está justamente no foco nas relações humanas, desenvolvi­das ao longo dos 10 episódios. Evandro, por exemplo, logo engata um romance complicado com a MC Geisi (Lorena Comparato), que foge completame­nte dos estereótip­os da “mulher da comunidade”. O rapaz também precisa lidar com o alcoolismo da mãe após a morte do irmão. Isso sem falar de um policial que possui conexões com o protagonis­ta.

“O principal ponto da série não é a luta entre bandidos e policiais. É o drama humano por trás de cada personagem”,

TUDO, SEGUNDO OS CRIADORES, PODE ESTAR CONTAMINAD­O

afirma o diretor René Sampaio, que dirigiu recentemen­te o filme Faroeste Caboclo. “É a série de ação para chorar”, complement­a a atriz Lorena Comparato.

Poupança. Vale ressaltar que a série não é retratada nos anos 1990 apenas por nostalgia barata. Um dos personagen­s, responsáve­l por toda contabilid­ade do tráfico no morro, acaba tendo o dinheiro da venda de cocaína retido no banco depois do Plano Collor, que confiscou dinheiro em poupanças em todo o Brasil

após medida do então presidente Fernando Collor de Melo. Essa subtrama, que gera uma das histórias mais divertidas e inusitadas de Impuros, foi o ponto de partida de Alexandre Fraga durante a elaboração inicial de toda a história.

“Queria fazer um filme ou uma série sobre guerra às drogas. Logo depois, comecei a pensar no que as pessoas passaram durante o confisco da poupança, o que pode ter acarretado em suas vidas”, conta o escritor. “E aí me veio essa ideia inicial: imagina alguém que põe o dinheiro de traficante­s no banco,

sem avisar, e perde tudo? O que essa pessoa ia fazer? É uma situação complexa que eu queria contar e construir algo ainda maior ao redor disso.”

O diretor René Sampaio também ressalta como é importante, para o Brasil, olhar para o seu passado. “Ainda que a série esteja totalmente submersa nos anos 1990, a produção dialoga com os dias atuais”, compara. “É preciso fazer essa conexão com a História. Em Impuros, fazemos isso com o morro, com o tráfico, com a pessoa da periferia. E funciona muito bem.”

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FOX Comunidade. História mostra o drama humano que existe por trás de cada personagem

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