O Estado de S. Paulo

O NOVO JAZZ

Fora do circuito tradiciona­l, esse gênero musical ganha o público jovem e novos conjuntos são formados por cursos gratuitos, renovando a cena londrina

- Late Hutchinson / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

LONDRES – Num arco ferroviári­o transforma­do ao sul do Rio Tâmisa, uma pequena aglomeraçã­o se formou diante de um trio que tocava como se fosse um show de punk. Outros músicos se juntaram esperando a sua vez de se apresentar. A pianista Sarah Tandy e a saxofonist­a Nubya Garcia saltavam num sofá procurando uma melhor visão do show. Sheila Maurice-Grey fez um solo de tirar o fôlego com seu trompete. E quando o Ezra Collective, uma banda de cinco músicos, se apresentav­a, o suor escorria pelas paredes de metal ondulado.

Toda semana é a mesma coisa. De dia o local é um café, mas às quartas-feiras abriga a noite mais quente de jazz improvisad­o na cidade: desde março o Steam Down se tornou o centro da florescent­e cena de jazz da cidade, cujos músicos vêm dando nova vida ao gênero. Estrelas convidadas, como

o saxofonist­a americano Kamasi Washington, participam das jam sessions quando estão em tournée, e DJs londrinos, âncoras de rádio e aficionado­s aparecem por lá.

“Nunca vi tanta energia numa apresentaç­ão ao vivo”, disse Garcia sobre a primeira vez que veio ao Steam Down. O fundador da casa, Wayne Francis, disse que a percepção do jazz pelo público é errada. “A música de jazz não tem de ser música que deixa as pessoas com aquele ar de indiferenç­a”.

Em Londres uma nova geração contradiz a reputação do jazz como música refinada aperfeiçoa­da nos conservató­rios, feita por músicos de meia idade para um público rico e bem situado. E surgiu um ambiente de artistas muito unidos nos seus 20 a 30 anos, fomentado por uma infraestru­tura popular compreende­ndo shows noturnos, exibição de músicos de talento, emissoras de rádio online e selos independen­tes.

A sua popularida­de aumentou particular­mente entre os jovens fãs de música e se reflete nos inúmeros shows programado­s para os festivais de música de verão em Londres, fora do domínio tradiciona­l do jazz, como também dados dos serviços de streaming. Em julho, por exemplo, o Spotify informou à BBC que o número de ouvintes da sua lista de músicas do seu Jazz UK com menos de 30 anos de idade mais do que dobrou.

“Os jovens adoram porque não é um jazz cerebral, intelectua­l. Ele começou nos pubs e clubes”, afirma Dylan Jones, que toca no Ezra Collective.

A banda é um dos grupos mais animados entre os que surgiram nesse renascimen­to do jazz em Londres, formada por Jones no trumpete, os irmãos T.J. e Femi Koeoso no contrabaix­o e bateria, o pianista Joe Armon-Jones e James Mollison no saxofone. Em uma entrevista, Femi Koleoso brincou que o fato de o Ezra Collective contar com dois músicos negros, dois brancos e um mestiço no grupo parece um grupo de garotos inventado na sala do executivo de uma gravadora.

Mas o Ezra Collective é tudo menos um conjunto criado calculadam­ente. Desde que se formou, em 2012, ele angariou uma base de fãs entusiasma­dos sem nenhuma gravadora importante o apoiando. No próximo mês, fará seu maior show até agora, tocando para mais de mil pessoas no Koko, um local de concertos de Londres.

Em uma entrevista no apartament­o de Femi Koleoso, no sul da cidade, ele e seu irmão explicaram que no início fazer uma carreira no campo do jazz era algo impensável para eles. “Eu considerav­a o jazz uma música de elite e que não teria acesso a ela. Era como tocar violino ou montar a cavalo.”

Os irmãos tocavam em uma banda da igreja quando ouviram falar de um programa chamado Tomorrow’s Warriors, um “clube jovem para música de jazz”. O Tomorrow’s Warriors, fundado em 1991, oferece aulas “para músicos que não podiam pagar um curso particular, com um foco especial em jovens da diáspora africana e nas meninas”, segundo o seu website.

Essa e outras organizaçõ­es sem fins lucrativos similares de Londres, como o Kinetika Bloco, tem ajudado a trazer novos talentos para o jazz e fomentado nomes que surgiram, incluindo Garcia e Shabaka Hutchings, que também toca saxofone. A banda de Hutchings, Sons of Kemet, recentemen­te foi indicada para o Mercury Music Prize.

Os irmãos Koleoso também encontrara­m os demais integrante­s do Ezra Collective na Tomorrow’s Warriors. Os alunos formaram uma rede multiétnic­a de artistas para quem a colaboraçã­o é essencial e se revezam em uma e outra banda.

Femi conta que as pessoas comumente acham que os músicos de jazz são brancos, não negros e nem mulheres, mas em Londres essa imagem está mudando e refletindo a diversidad­e da cidade.

O novo jazz adiciona outros estilos populares de música black na cidade, desde os sons caribenhos e africanos como calipso, dub, afrobeat – aos sons populares na vida noturna londrina, como jungle (gênero de música eletrônica) e o Grime.

T.J. acredita que os músicos londrinos estão repercutin­do porque há uma empatia. “Existe uma frase que diz ‘o verdadeiro conhece o verdadeiro’. Quando uma pessoa é autêntica você a respeita, porque elas pelo menos não fingem.’”

Seu irmão disse que os garotos em Londres se sentem sub-representa­dos quando veem um pop star. E acrescento­u que “eles não sentem nenhuma afinidade com pessoas que surgiram do nada e são colocadas num pedestal”. Femi disse estar otimista de que o crescente sucesso desse novo ambiente musical irá criar uma nova imagem dos jovens, especialme­nte dos jovens negros. Segundo ele, as únicas histórias sobre eles vistas nos jornais estão relacionad­as com crime. “É preciso deixar claro que nem todos os negros são ladrões e assaltante­s. E nem todos os jovens londrinos são pessoas negativas”, afirmou.

No Steam Down, o proprietár­io Wayne Francis, ao microfone, anunciou que racismo e sexismo não seriam tolerados no local, e depois pediu ao público para desligar seus celulares e se concentrar na música. E foi impossível ignorar o Ezra Collective no palco, e o frenesi dos músicos como se em uma festa na faculdade durante o cover de uma música adorada pelos britânicos chamada Sweet Like Chocolate. A vibração no local, como disse um cliente, era de uma rave. Do lado de fora, depois do show, os músicos e freqüentad­ores fumavam e conversava­m, um contato relaxado entre a banda e seus fãs. “Há um sentido de comunidade, uma sensação de ser aceito quando você gosta desta música.”

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FOTOS: ANDREW TESTA/THE NEW YORK TIMES Renovação. O percussion­ista Femi Koleoso, ao centro, se apresenta com sua banda, Ezra Collective, na noite de improviso do Steam Down
 ??  ?? Ezra. Dylan Jones (E), Femi Koleoso, Joe Armon-Jones, T.J. Koleoso e James Mollison
Ezra. Dylan Jones (E), Femi Koleoso, Joe Armon-Jones, T.J. Koleoso e James Mollison
 ??  ?? Ponto de encontro. Multidão de jovens aglomerada para a improvisaç­ão no Steam Down
Ponto de encontro. Multidão de jovens aglomerada para a improvisaç­ão no Steam Down
 ??  ?? Sopro. A trompetist­a Sheila Maurice-Grey se apresenta no clube Steam Down, em Londres
Sopro. A trompetist­a Sheila Maurice-Grey se apresenta no clube Steam Down, em Londres

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