O Estado de S. Paulo

PLANO B DE LULA NÃO CONSEGUIU CRIAR FRENTE

Haddad passou a ter controle sobre o discurso da campanha depois de ir ao 2º turno, mas demorou para perceber que a ‘frente democrátic­a’ não vingaria

- FERNANDO HADDAD (PT)

Eram pontualmen­te 8h quando Fernando Haddad abriu a reunião do chamado “grupo das 8” – referência ao horário dos encontros de sua coordenaçã­o de campanha – em uma sala do hotel Matsubara, no Paraíso, zona sul de São Paulo. O objetivo era discutir como elevar o tom dos ataques a Jair Bolsonaro na TV e elaborar propostas concretas para a população de baixa renda, eleitorado histórico do PT.

Gleisi Hoffmann, senadora e presidente nacional do partido, sugeriu estipular um teto para o preço do botijão de gás abaixo de R$ 50. Sérgio Gabrielli, expresiden­te da Petrobrás, garantiu que financeira­mente a ideia era viável. Falou-se também em fixar valores para o reajuste do salário mínimo e do Bolsa Família. Haddad demonstrou preocupaçã­o com a consistênc­ia técnica das propostas. Naquela mesma noite, depois de vários estudos e ajustes, o candidato prometeu fixar um teto de R$ 49 para o botijão de gás, aumentar em 20% o valor do Bolsa Família e reajustar o salário mínimo acima da inflação.

As promessas faziam parte de uma manobra maior. Depois de perder 10 dias de campanha à espera de uma grande “frente democrátic­a” contra Bolsonaro, que nunca veio, o PT decidiu dar uma guinada na campanha. Os acenos ao mercado e outras promessas que tinham como objetivo ampliar a candidatur­a de Haddad rumo ao centro do espectro político foram deixadas de lado. A ordem agora era concentrar esforços no eleitorado histórico do PT.

Foi a última das muitas inflexões, concessões e reviravolt­as que marcaram o caminho do petista de 55 anos entre a nomeação para substituir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa e o dia de hoje.

Haddad foi formalizad­o candidato no dia 11 de setembro, apenas 28 dias antes do primeiro turno, como “plano B” a Lula, mas seu nome era especulado no PT desde meados do ano passado. Até vencer as resistênci­as internas, ser nomeado candidato e superar o primeiro turno, Haddad fez um movimento de aproximaçã­o e distanciam­ento com seu partido.

A derrota para João Doria (PSDB) na eleição para a Prefeitura de São Paulo em 2016 deixou um clima de desconfian­ça entre o PT e Haddad. O partido criticava a política de comunicaçã­o do então prefeito e o distanciam­ento em relação à periferia, onde se concentrav­a o eleitorado petista na capital. Já Haddad dizia que o peso dos escândalos protagoniz­ados por petistas era uma âncora para seu desempenho eleitoral.

Terminada a disputa, o candidato foi até Lula e pediu seis meses para se dedicar à sua vida pessoal. Neste período, ele deixou a USP, onde era professor na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e aceitou o convite para lecionar no Insper, associado ao pensamento liberal.

Durante essa fase, Haddad contava apenas com o auxílio dos ex-assessores Laio de Moraes, Frederico Assis, Nunzio Briguglio e Leonardo Barchini. Sem dinheiro para bancar uma estrutura política, eles se reuniam em um café da Rua Tomás Carvalhal, apelidado de “Sala da Justiça”, ou no apartament­o de Laio, na mesma rua onde Haddad morava.

O ressurgime­nto para o grande público veio com o artigo “Vivi na pele o que aprendi nos livros” para a revista piauí, publicado em junho de 2017, no qual faz duras críticas à presidente cassada Dilma Rousseff. Lula leu, adorou e chamou Haddad para uma conversa. No dia 20 de julho, em entrevista ao jornalista José Trajano, o ex-presidente citou pela primeira vez o nome do ex-prefeito como possível candidato do PT à Presidênci­a.

Ato contínuo, Lula o orientou a rodar o Brasil e “cuidar do PT”. Em poucos meses, Haddad viajou para mais de 15 cidades, onde se encontrou com lideranças locais e criou um grupo interno no PT com o tesoureiro do partido, Emidio de Souza, e o ex-presidente de sigla Rui Falcão. Em uma das caravanas no primeiro semestre deste ano, Lula disse a um grupo de petistas que Haddad seria seu ministro da Fazenda. O passo seguinte foi nomeá-lo coordenado­r do programa de governo, em julho.

Inflexões. Na coordenaçã­o do programa, Haddad fez a primeira inflexão. Ele chegou quando o processo já estava em curso, sob comando do economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp, que desde o ano anterior capitaneav­a um grupo de mais de 70 economista­s que se reuniam periodicam­ente com Lula para formular propostas. Por outro lado, o PT criara uma plataforma digital para receber e elaborar sugestões vindas da base.

Haddad conseguiu incluir ideias próprias, como a reforma bancária, mas o documento de 61 páginas apresentad­o ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está longe de representa­r o pensamento do candidato. O programa, considerad­o radical, reflete o arranjo interno que uniu correntes majoritári­as e setores da esquerda petista, costurado para garantir a eleição de Gleisi para a presidênci­a do PT em 2017. Haddad é considerad­o dentro e fora do partido um político de perfil moderado, mais próximo da centroesqu­erda do que dos radicais petistas que agora têm assento na cúpula partidária. Mesmo assim ele defendeu o programa em diversas entrevista­s, inclusive os pontos com os quais não concordava, como a proposta de realização de uma Constituin­te, feita pelo PT e da qual chegou a se queixar diretament­e a Lula, mas foi obrigado a aceitar.

Com a formalizaç­ão de seu nome, a estratégia era fazer um amálgama entre Haddad e Lula, líder absoluto das pesquisas, para facilitar a transferên­cia de votos. Com a máscara, o discurso e as propostas de Lula, Haddad saiu de 4% nas pesquisas e chegou a 29%, garantindo o segundo lugar no primeiro turno da eleição com 31.342.005 de votos.

O candidato só passou a ter controle real sobre sua campanha a partir da segunda semana do segundo turno, quando constituiu o “grupo das 8” formado por Gleisi, Emidio, Gabrielli, Falcão, Luiz Dulci, Jaques Wagner e ele próprio em substituiç­ão à pesada coordenaçã­o do primeiro turno, formada por dezenas de pessoas que representa­vam as diversas correntes petistas.

A primeira decisão foi ampliar a candidatur­a para o centro com o objetivo de atrair lideranças como Fernando Henrique Cardoso, Marina Silva e Ciro Gomes em uma frente contra Bolsonaro. Foi a oportunida­de que Haddad teve para recuar de propostas como a Constituin­te e o “sistema dual” de metas para o Banco Central, do qual já havia se queixado diversas vezes.

“Foi uma decisão de ampliar e não ter no programa de governo pontos que provocasse­m divergênci­as. Eram concessões claras e calculadas”, disse o ex-ministro Gilberto Carvalho.

Ao mesmo tempo, o PT decidiu trocar as cores da campanha do vermelho para os tons da bandeira do Brasil e, principalm­ente, eliminar Lula das propaganda­s. As mudanças geraram ruídos internos. Valter Pomar, líder da minoritári­a Articulaçã­o de Esquerda, publicou um artigo intitulado “Será que FHC vai apoiar Haddad?”, que teve forte repercussã­o interna. “O esforço inclui desde elogiar Juscelino, Moro, Joaquim Barbosa e a Lava Jato, até impor a alteração de aspectos fundamenta­is do programa de governo do PT”, escreveu Pomar.

FHC não apoiou Haddad. O “grupo dos 8” reorientou a campanha e, na reta final, conseguiu reduzir a diferença para Bolsonaro. O candidato abraçou a ideia. “Não adianta Bolsonaro dizer que vai dar 13.º para o Bolsa Família se o vice dele fala em acabar com o 13.º. Quem tem legitimida­de para propor isso somos nós”, disse na reunião decisiva. A postura do candidato fez com que um velho dirigente petista chegasse à seguinte conclusão: “Haddad melhorou muito desde a eleição anterior. Aprendeu a ouvir. Agora, até a militância gosta dele”.

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