O Estado de S. Paulo

DEPUTADO HÁ 27 ANOS TENTA SER O ANTIPOLÍTI­CO

Autodenomi­nado ‘patinho feio’ da eleição, Bolsonaro tomou para si os discursos antipetist­a e patriota, driblou polêmicas de aliados e recuou de radicalism­os

- JAIR BOLSONARO (PSL)

Agosto ainda não havia chegado quando o nanico Partido Social Liberal (PSL) oficializo­u, numa manhã de domingo, a candidatur­a do deputado federal Jair Bolsonaro à Presidênci­a da República. No evento, realizado em um espaço de convenções da região central do Rio, Bolsonaro foi tratado como já costumava ser recebido nos aeroportos em suas constantes viagens pelo País: sob gritos de “mito”. Respondeu aos apoiadores com uma autoavalia­ção: “Sou o patinho feio desta história”.

Tentando se descolar dos pares da política tradiciona­l, mesmo após 27 anos exercendo mandatos consecutiv­os na Câmara dos Deputados, Bolsonaro enfrentou nos últimos 73 dias sua mais contundent­e campanha eleitoral. Se enfatizou o discurso antipetist­a, que lhe garantiu lugar em um dos polos da disputa, o candidato do PSL não abandonou o estilo conservado­r nos costumes. Seu maior ponto de inflexão foi vestir o figurino de liberal na economia, sustentado na parceria com o economista Paulo Guedes, seu “Posto Ipiranga”.

A combinação conservado­r/liberal de Bolsonaro desbotou ao longo da campanha em meio ao cabo de guerra dos interesses que envolvem uma batalha presidenci­al. Resiliente na liderança da disputa, ele venceu o primeiro turno com 49.276.990 votos. O candidato do PSL oscilou e recuou sobre temas como privatizaç­ões de estatais e fusões de ministério­s, além de ser obrigado a desautoriz­ar ideias lançadas pelo vice em sua chapa, o general Hamilton Mourão (PRTB), como uma nova Constituiç­ão feita sem representa­ntes eleitos, por “notáveis”, ou mudanças no 13.º salário.

Imutável, porém, foi o discurso agressivo contra o PT, simulando armas de fogo com as mãos em palanques e atacando políticos. Bolsonaro, de 63 anos, só mudou o ritmo de sua cruzada após sofrer um atentado a faca na cidade de Juiz de Fora (MG), em 6 de setembro.

O ataque mudou o tom de sua campanha, que se deslocou dos encontros com multidões nas ruas para um quarto no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Nos 23 dias neste ambiente sua candidatur­a cresceu nas intenções de voto. Após receber alta, mas ainda em recuperaçã­o, Bolsonaro se entrinchei­rou em sua residência no Rio, intensific­ando a campanha via redes sociais.

A onda que elevou seu apoio no primeiro turno impulsiono­u uma bancada parlamenta­r do PSL que sugere provável maioria no Congresso. Dez dias depois do primeiro turno, embalado pelo desempenho nas urnas e pelas primeiras pesquisas, Bolsonaro

chegou a esboçar um discurso de tolerância e moderação ao contabiliz­ar “18 milhões de votos” de vantagem sobre o petista Fernando Haddad. Sentindo-se “com a mão na faixa presidenci­al”, Bolsonaro disse à época que considerav­a “difícil” que o adversário tirasse a diferença na urna.

Neste clima, passou a receber em casa delegações de apoiadores, como empresário­s, religiosos e bancadas setoriais do Congresso, como a BBB (boi, bala e Bíblia) – todos de olho na formação de um eventual governo. Entraram em pauta nas reuniões temas como a folha de pagamento das empresas, a reforma da Previdênci­a e até o projeto de liberação da venda de armas de fogo para civis.

Na reta final, porém, com as pesquisas apontando uma redução na vantagem sobre Haddad, o candidato do PSL voltou a centrar fogo no campo político do adversário. “Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa Pátria”, atacou Bolsonaro, retomando a retórica do combate à “petralhada” dos primeiros dias da campanha. Em discurso transmitid­o por celular desde sua casa para manifestan­tes que se encontrava­m na Avenida Paulista, em São Paulo, ele bateu pesado.

A retomada desse tom levou o ex-presidente Fernando Henrique (PSDB) – de quem o deputado, na década de 1990, já defendeu seu fuzilament­o – a se manifestar classifica­ndo a posição do presidenci­ável de “inacreditá­vel”. “Um candidato à Presidênci­a pedir às pessoas que se ajustem ao que ele pensa ou pagarão o preço: cadeia ou exílio. Lembra outros tempos”, escreveu FHC.

Em uma “live”, na quarta-feira, Bolsonaro apertou os argumentos também com seu pessoal. Pediu a ajuda dos 52 deputados federais eleitos pelo PSL para uma mobilizaçã­o nesta reta final da eleição. Ele chegou a criticar o engajament­o do grupo que, em sua opinião, estava sendo “muito fraco” e aproveitou para insinuar uma dívida com ele pelas suas votações. “Parece que vocês se elegeram por mérito próprio”, ironizou. A poucos dias da eleição, Bolsonaro anunciou três ministros: Paulo Guedes para a Economia, o general Augusto Heleno para Defesa e o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEMRS) para Casa Civil. O astronauta Marcos Pontes também é cotado, para a Ciência e Tecnologia. Bolsonaro teve de recuar. Pressionad­o por apoiadores que se movimentam pela formação do governo, ele afirmava que pretendia unir os ministério­s de Agricultur­a e Meio Ambiente. A proposta, no entanto, provocou reações internacio­nais de países-membros do Acordo de Paris. E, na última quarta-feira, cerca de 40 empresário­s, de 17 Estados, foram à casa do candidato e saíram de lá carregando a mudança de posição: pelo menos por enquanto, Bolsonaro não lhes garantiu a união dos ministério­s. No dia seguinte, ele negou também que vá defender a saída do Brasil do Acordo de Paris.

Formado oficial do Exército em 1977 na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), ex-paraquedis­ta e exvereador do Rio, com a carreira marcada pelo ataque às posições políticas da esquerda, Bolsonaro teve de enfrentar nos últimos dias da campanha repercussõ­es negativas provocadas por pronunciam­entos de seu grupo político.

Após a divulgação do vídeo no qual o filho Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo, fala que bastariam “um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF)” em caso de a Corte tomar decisões contrárias aos interesses de um eventual governo Bolsonaro, o capitão reformado teve de ir a público declarar que discordava dos argumentos e que já tinha “advertido o garoto”.

Houve ainda o baque sofrido pelo debate sobre notícias falsas (fake news) com um cerco a um dos pilares de sua estratégia eleitoral, o uso das redes sociais, colocado em xeque por denúncias de abusos de WhatsApp e pela suspensão de páginas do Facebook, conforme mostrou o Estado no dia 22.

O remédio adotado por Bolsonaro foi voltar a fincar pé na plataforma conservado­ra que sustenta restrição ao atual modelo de sociedade e costumes, segundo conceitos religiosos contrários ao aborto e a liberdade de gênero, além de manter o culto com elogios, repetidos há anos por ele e seus aliados mais próximos, a personagen­s polêmicos dos tempos da ditadura.

Bolsonaro não alterou a decisão de evitar debates da campanha, alegando motivos de saúde, apostando na internet como principal ferramenta. Mas também neste quesito, fez ajustes. Aproveitou os últimos dias de propaganda na TV para trabalhar a imagem pessoal nas inserções no programa eleitoral. Buscando um discurso voltado à família, apresentou sua mulher, Michelle, mãe de sua caçula, Laura – a mesma que ele disse ter “fraquejado” quando nasceu uma menina depois de quatro filhos homens. “Jair tem um brilho no olhar diferencia­do. Ele é um ser humano maravilhos­o”, disse Michelle, no programa da quinta-feira, na tentativa de reduzir a imagem de “patinho feio” do candidato.

‘Fake news’.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil