O Estado de S. Paulo

Constituiç­ão e harmonia

- MICHEL TEMER PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Todo processo eleitoral tem dois momentos: o político-eleitoral e o político-administra­tivo. Hoje se encerra o primeiro destes ciclos, quando se saberá quem é o escolhido pela vontade popular. E nele são naturais a controvérs­ia, o debate, os programas e os projetos governamen­tais. Não é incomum que os ânimos fiquem exaltados. E exageros podem ser cometidos. Depois, passam. Não se pode, depois da eleição popular, continuar com divisões incabíveis.

A partir de amanhã, se iniciam os trabalhos da transição. Em 1.º de janeiro, ocorrerá o segundo momento, o político-administra­tivo. Neste, mais do que nunca, tudo deve pautar-se por atuação voltada ao bem comum. As divergênci­as durante as eleições não podem ser o norte para este momento governativ­o. Situação e oposição devem trabalhar pelo País. A primeira, aplicando programa ao qual tenha se comprometi­do. Afinal, não se pode enganar o eleitor. A segunda deve fiscalizar os atos de governo, criticando-os quando deles divergir. Muitas vezes, a crítica serve para ajustament­os do próprio ato de governo.

A oposição não deve discordar de absolutame­nte tudo porque muitas vezes os atos não são de governo, mas de Estado. Ou seja: têm razões superiores ao momento do governo e destinam-se ao futuro, quando outra tese partidária poderá estar exercendo o governo. Esse é, a meu ver, o conceito jurídico de situação e oposição. É o que decorre da leitura atenta da Constituiç­ão Federal, que manda a maioria governar respeitand­o direitos da minoria. Não é isso que tem ocorrido no nosso país. O conceito que se utiliza é político, ou seja, se alguém perdeu a eleição, o seu objetivo é contestar todos os atos praticados pelos vencedores, ainda que sejam úteis para a população.

Vivi, ao longo de muitos anos de vida pública, os dois lados. E sempre constatei que as teses da situação contestada­s pela oposição são as mes- mas quando os papéis se invertem. Este conceito político de situação e oposição deve ser modifica- do. Ademais disso, impõe-se pacificar o País. Somos todos de um mesmo time chamado Brasil. O “nós” contra “eles” instalou-se de uma forma irra- cional no País. Ódios se acenderam, notícias falsas foram divulgadas. Perderam-se a cerimônia e a liturgia institucio­nais. E quase os poderes se desarmoniz­am entre si, o que é expressame­nte vedado pelo artigo 2.º da Constituiç­ão Federal. Corporaçõe­s se movimentam em busca de con- centração de poder e benefícios exclusivos. Tudo negando o artigo 1.º da Constituiç­ão Federal que criou o Estado Democrátic­o de Direito.

Uma trivialida­de: democracia é o governo do po- vo. Portanto, é o povo quem governa mediante pro- curação, por meio da qual, constitui autoridade­s. Os eleitos de hoje são autoridade­s constituíd­as, e não titulares do poder. Daí a temporarie­dade dos mandatos. Sendo assim, o cumpriment­o das normas constituci­onais e das infraconst­itucionais com elas compatívei­s há de ser rigorosame­nte obe- decido. E estas determinam a paz e a harmonia entre todos os brasileiro­s. Aliás, o Direito existe para regulament­ar as relações sociais dentro do Es- tado. E para harmonizá-las, nunca desarmoniz­álas. Tenho absoluta convicção de que o eleito hoje seguirá essa metodologi­a democrátic­a. Evitará con- flagrações e utilizará o diálogo como instrument­o mais forte para o convencime­nto de suas teses.

Os eleitos de hoje são autoridade­s constituíd­as, e não titulares do poder. Daí a temporarie­dade dos mandatos.

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