O Estado de S. Paulo

‘Previdênci­a, sozinha, não resolve problema fiscal’

Para brasileiro, se nada for feito agora, nem com investimen­to zero as contas públicas vão sair do vermelho

- Beatriz Bulla

O próximo presidente brasileiro terá de fazer mais do que a reforma da Previdênci­a para resolver desafios do País na economia, afirma o economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, professor da Universida­de de Columbia e professor emérito da Universida­de de Princeton. “Precisamos rever todo um sistema de gastos para chegar ao equilíbrio das contas e permitir ao governo fazer o que precisa fazer, como investir em ciência e tecnologia”, diz Scheinkman, em entrevista ao Estado.

Segundo o economista, o enfrentame­nto da crise fiscal e da baixa produtivid­ade não se dará apenas “cortando um pequeno gasto”. Ele disse ter visto poucas propostas explícitas dos candidatos nesse sentido.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Quais os desafios econômicos do próximo presidente?

Temos dois tipos de desafios. Um é de curto prazo, que é o balanço fiscal. Chegamos a um ponto em que a combinação de despesas obrigatóri­as não permite investimen­tos do governo. Daqui a pouco, nem com investimen­to zero as contas vão fechar. Resolver o problema fiscal é uma situação de urgência. A segunda questão, de longo prazo, é a do baixo aumento da produtivid­ade, que se traduz no baixo cresciment­o da renda da população.

• Qual é o papel da reforma da Previdênci­a nesse cenário?

A reforma proposta (por Michel Temer) foi substancia­lmente diluída no Parlamento. Minha impressão é que a reforma perdeu metade da eficácia nesse processo. No mundo inteiro, as idades da aposentado­ria foram aumentadas. As pessoas estão vivendo mais tempo e é preciso de uma certa maneira fechar as contas. E há outras questões particular­es ao Brasil, como a indexação das pensões ao salário mínimo, que cresce mais do que o custo de vida. No curto prazo, é o único tipo de reforma que se pode implementa­r.

• Mexer na Previdênci­a é suficiente para levar a uma situação fiscal saudável?

Sozinha, não. O cresciment­o dos gastos e transferên­cias obrigatóri­as do governo federal aos Estados está deixando muito pouco espaço para investimen­tos. Precisamos também avaliar os programas nos quais o governo está gastando dinheiro. É algo que a Austrália, por exemplo, faz muito bem. No Brasil, se ouve falar no sucesso de um programa de governo dizendo quanto ele gastou. Mas a medida deveria ser qual é o objetivo do programa e se está sendo atingido.

Quais outras medidas podem ser tomadas?

Temos de imaginar qual a máquina que precisamos para tocar o Estado brasileiro. Há alguns níveis de salários absurdos

e privilégio­s. Nos EUA, só o presidente da Suprema Corte tem um chofer – os outros dirigem os próprios carros. A questão de (auxílio) moradia também não existe. Isso é pequeno em relação aos problemas do Brasil, mas isso dá um certo clima dos gastos.

• As isenções tributária­s foram um dos fatores para o baixo cresciment­o da produtivid­ade?

Certamente. Muitos desses incentivos permitiram a expansão de companhias que eram muito boas em lobby. Não quer dizer que a empresa que é melhor em convencer um governador a lhe dar isenção seja aquela mais produtiva. Há um certo encantamen­to com setores em que o Brasil tem tido um cresciment­o de produtivid­ade muito baixo, como a indústria de transforma­ção.

Como o País pode avançar no desafio da produtivid­ade?

A economia brasileira é muito fechada. Muitas vezes os ganhos de produtivid­ade vêm de combinaçõe­s de insumos brasileiro­s com insumos estrangeir­os. E uma economia na qual você protege bens de capital, afeta a produtivid­ade de todos os outros setores. A proteção em si já traz embutida uma força que diminui o cresciment­o da produtivid­ade. É um problema sério, pois os ganhos de produtivid­ade em indústria são em geral trazidos por novos participan­tes que tomam o mercado das velhas firmas.

E a questão dos impostos?

Há alguns anos tentei entender o ICMS brasileiro só no Rio de Janeiro, e não consegui. O sistema foi construído pouco a pouco com “essa indústria pediu isso, outra aquilo”. Nesta eleição, houve várias propostas, que acho boas, de substituir todos esses impostos que afetam produção e distribuiç­ão, como ICMS, por um só imposto sobre valor agregado, que é um sistema que se usa na Europa.

• Das propostas apresentad­as pelos candidatos, alguma faz acender sinal de alerta?

Na campanha do Bolsonaro, no começo, o sistema de capitaliza­ção estava aparecendo como uma solução mágica para o problema da Previdênci­a. Acho que agora está se admitindo que precisa ser algo com transição. Mas é o tipo da coisa que preocupa, porque a passagem para o sistema de capitaliza­ção no curto prazo vai ter um custo fiscal. Do lado do Fernando Haddad, o que me preocupa é diminuir a importânci­a da reforma da Previdênci­a e os ataques à reforma trabalhist­a.

• E o combate à corrupção? Pode ajudar a fomentar o cresciment­o nos próximos anos?

Os problemas do Brasil estão muito acima disso. O combate à corrupção não é a solução para todos os problemas. Tínhamos um problema seriíssimo de inflação – e resolvê-lo não solucionou todos os problemas. De certa maneira, isso tem um efeito muito maior na economia do que o custo da corrupção. Não vai se resolver tudo só pensando em combate à corrupção. Precisamos trabalhar as instituiçõ­es, melhorar a qualidade das instituiçõ­es, decidir o que o governo poderá fazer.

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO-6/11/2015 Proposta. Scheinkman diz que só combate à corrupção não trará solução para a economia

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