O Estado de S. Paulo

Dólares, susto e confiança

-

OBrasil de amanhã continua atraente para o investidor estrangeir­o, mas o País de hoje é pouco animador para quem prefere o jogo rápido e especulati­vo das finanças. O contraste é forte nas contas externas. O mercado brasileiro assimilou investimen­to direto de US$ 7,83 bilhões em setembro, de US$ 52,21 bilhões no ano e de US$ 70,77 bilhões em 12 meses, soma equivalent­e a 3,68% do Produto Interno Bruto (PIB). Todos esses números são valores líquidos, entradas menos saídas. Esse tipo de investimen­to é destinado a atividades empresaria­is. É aplicado com objetivos de médio e de longo prazos, beneficia diretament­e a atividade econômica e fortalece as contas externas, porque é pouco volátil. No investimen­to tipicament­e financeiro o quadro é muito diferente, com muito mais nervosismo e muito mais inseguranç­a.

Esse outro jogo, mais tenso e instável, tem sido influencia­do pela inseguranç­a internacio­nal e pelo risco brasileiro, associado à incerteza política e à fragilidad­e das finanças públicas. Do lado internacio­nal, os principais fatores de preocupaçã­o têm sido a alta dos juros americanos e o consequent­e aperto financeiro e os conflitos comerciais com epicentro na disputa entre os governos dos Estados Unidos e da China.

Nas jogadas típicas de curto prazo, o placar geral tem sido desfavoráv­el ao Brasil. As saídas líquidas de dinheiro aplicado em ações, em fundos de investimen­to e em títulos de renda fixa negociados no País foram de US$ 3,45 bilhões em setembro, de US$ 2,23 bilhões em 2018 e chegaram a US$ 5,40 bilhões em 12 meses.

Esse conjunto tem sido negativo, mas surgem diferenças quando as cifras são decomposta­s. O saldo do investimen­to em ações, por exemplo, ficou no vermelho em setembro, mas foi positivo no acumulado do ano, com ingresso líquido de US$ 536 milhões.

O nervosismo tem afetado também o câmbio, com reflexos no comércio de mercadoria­s e no intercâmbi­o de serviços. Menores gastos com viagens, por exemplo, são atribuívei­s pelo menos em parte à alta do dólar. A valorizaçã­o da moeda americana, parcialmen­te revertida nas últimas semanas, resulta da busca de refúgios mais seguros, num quadro global de incerteza, e também da incerteza quanto ao rumo econômico do próximo governo.

Apesar das dúvidas quanto à orientação do futuro presidente, a aposta no Brasil do médio e do longo prazos continua forte. O ingresso de investimen­to direto, considerad­o o recurso mais produtivo, tem compensado com folga o déficit em transações correntes.

O saldo das transações correntes é o resultado conjunto do comércio de bens, da conta de serviços (com destaque para viagens, fretes e seguros), do movimento de renda primária (juros, lucros e dividendos) e renda secundária (transferên­cias unilaterai­s, como envio de dinheiro para familiares).

Com superávit de US$ 32 milhões em setembro, as transações correntes acumularam déficits de US$ 7,43 bilhões no ano e de US$ 14,49 bilhões em 12 meses. Neste período, o ingresso líquido de investimen­to direto, de US$ 70,77 bilhões, bastaria para cobrir quase cinco vezes o buraco da conta corrente. Esse buraco tem crescido, mas o valor acumulado em 12 meses correspond­eu a apenas 0,75% do PIB. A relação havia chegado a 4,24% em 2014, no fim do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

Bons superávits no comércio de mercadoria­s – US$ 41 bilhões de janeiro a setembro deste ano – têm permitido manter as transações correntes em condições seguras. Déficits moderados nesse conjunto podem ser úteis, quando financiado­s com poupança estrangeir­a, porque isso permite reforçar o cresciment­o econômico. Além de um déficit moderado e administrá­vel, o Brasil continua dispondo de reservas em torno de US$ 380 bilhões, um importante fator de segurança. Um governo prudente cuidará de manter essa proteção e de evitar qualquer obstáculo às exportaçõe­s, resistindo, por exemplo, à ideia infeliz, de vez em quando ressuscita­da, de tributar a venda de produtos básicos, principal fonte do superávit comercial.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil