O Estado de S. Paulo

Língua afiada

Morrissey, antigo líder do icônico grupo The Smiths, volta a São Paulo com novo álbum e cheio de planos

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O polêmico Morrisey volta ao Brasil para shows no Rio e em São Paulo.

Pedro Antunes Mais por conta da própria língua do que pelo coração, Steven Patrick Morrissey se tornou um sujeito de outro tempo. Tal qual um veterano de uma guerra que acabou – ou se transformo­u. De líder e letrista do The Smiths, banda de Manchester, na Inglaterra, com existência curta, mas um legado importante para o pós-punk de coração partido, por conta dos quatro discos lançados entre 1984 a 1987, ele passou a ser visto como um senhor de opiniões políticas controvers­as, rispidez com a imprensa, encrenquei­ro com gravadoras e com uma especial capacidade de cancelar turnês.

São, portanto, dois Moz em um, se é que é possível dividi-lo dessa forma. O lado artístico segue tinindo, na sua caminhada solo, com discos lançados em uma frequência elogiável para um músico de 59 anos (celebrará seu 60º aniversári­o em maio de 2019). O outro, o personagem criado em torno do artista, tem causado dor de cabeça há décadas – e vem piorando com as declaraçõe­s de Morrissey, que vive batendo cabeça com a imprensa inglesa e, recentemen­te, entrou em conflito com o prefeito inglês Sadiq Khan, muçulmano, e defendeu o Brexit, entre outras polêmicas.

Mas, ainda bem, é o ímpeto artístico o que o traz novamente ao Brasil para duas apresentaç­ões. A primeira ocorre no Rio de Janeiro, no dia 30 de novembro, na Fundição Progresso. Ele e banda, formada por Jesse Tobias (guitarra), Gustavo Manzur (teclado), Mando Lopez (baixo), Boz Boorer (guitarra), Matthew Ira Walker (bateria), seguem para São Paulo, no show a ser realizado em 2 de dezembro, no Espaço das Américas. Ainda há ingressos para as duas apresentaç­ões.

O álbum mais recente, Low In

High School, lançado em novembro do ano passado, celebra o acordo dele com a gravadora BMG. “É um grande momento para mim (musicalmen­te)”, explica Morrissey, ao Estado, por e-mail – o inglês tem preferido conduzir suas entrevista­s por escrito depois de tantos problemas com a imprensa, principalm­ente a britânica. “Estou acostumado ao descrédito da imprensa inglesa”, ele escreveu, ao comentar as críticas que recebeu sobre o livro List of The Lost, que saiu três anos atrás. “Um jornal dedicou uma página inteira a clamar para que as pessoas não comprassem o livro!”, relembra. “Eles (a imprensa inglesa) me criticarão no meu obituário por eu não ter tido a educação de ter morrer antes.”

Mas isso é passado, aparenteme­nte. Com a nova gravadora, Moz está cheio de planos e feliz da vida. Na entrevista, ele revelou já ter gravado um novo álbum, de nome California Son,

“uma coleção de canções de outros artistas cantada por mim”, novamente produzido por Joe Chicarelli, um antigo parceiro dele, que também trabalhou com The Strokes e U2. Uma das canções já conhecidas é Back on

The Chain Gang, clássica do The Pretenders, banda de Chrissie Hynde.

Anunciou, veja só, que voltará aos estúdios em janeiro para começar a gravação de um novo álbum, o 12º da carreira solo iniciada após o fim dos Smiths. E, por fim, na última boa nova vinda por escrito por um empolgado Morrissey é o fato de que o disco World Peace Is None of Your Business, de 2014, vai ser reeditado e relançado pela nova gravadora. Isso porque o disco saiu pela Capitol, mas uma briga entre Moz e os executivos do selo tirou o álbum de catálogo – não está nos serviços de streaming também.

“Desta vez, (o álbum) vai ter uma gigantesca promoção em nível mundial. Eu não consigo explicar o orgulho que eu tenho por esse trabalho”, escreveu Morrissey. “Parece-me um absurdo, mas a gravadora anterior (a Capital, de Los Angeles) não teve coragem de mostrá-lo ao mundo, então eles soltaram o álbum e saíram correndo”, ele conclui. “No fim, tudo terminou bem!”

Morrissey se mostra orgulhoso do seu trabalho solo – e também daquele realizado ao lado dos Smiths, banda que incluía também o tão linguarudo quanto Moz Johnny Marr (guitarra), Andy Rourke (baixo) e Mike Joyce (bateria). “Como comparar o seu novo filho com o anterior?”, ele escreve, ao ser questionad­o sobre a importânci­a de Low in High School na sua discografi­a. “Quem consegue responder a uma pergunta dessas? Eu me sinto muito abençoado. Por causa de You Are The Quarry

(disco de 2004), Ringleader of the Tormentors (2006), Years of Refusal (2009) e World Peace Is Not Your Business eu posso encarar o mundo de cabeça erguida”. Na resposta, curiosamen­te, o inglês não citou os seis discos solo lançados antes de 2004, como os elogiados Viva Hate (1988) e Vauxhll and I

(1994). Se alguém não se sente assim com a sua música, deveria empacotar suas coisas e ir embora.”

Ao Estado, em 2015, na última passagem pelo Brasil, como o faz há anos, recusava qualquer ideia de uma reunião do Smiths. “(Me reunir com a banda) é tão inimagináv­el quanto assumir que eu me juntaria ao Led Zeppelin”, troçou ele, à época – a pergunta era, na verdade, fundamenta­da na notícia de que o grupo havia sido indicado como um dos possíveis novos integrante­s do Hall da Fama do Rock and Roll, o que geralmente reúne os integrante­s das bandas, mesmo aquelas já acabadas há décadas.

Mas os anos acalmaram Moz. Na época da entrevista anterior, uma nuvem carregada circulava o músico. Seu disco estava fora de catálogo, ele havia lutado contra um câncer e dizia ter perdido fios do famoso topete no tratamento. Seu livro apanhava da imprensa e a ele ainda era perseguido pela desconfian­ça de um novo cancelamen­to de turnê por conta de questões logísticas ou da própria saúde.

O tempo amansou tanto o inglês que ele é capaz de valorizar sua antiga banda, grupo que apresentou ao mundo versos melancólic­os, desesperad­os e poéticos de Moz, como “morrer ao seu lado é uma forma divina de morrer”, da música There Is a Light That Never Goes Out. Em cada show, contudo, são uma ou duas músicas do Smiths a entrar no repertório. Na apresentaç­ão mais recente, realizado no México, em março deste ano, por exemplo, a única escolhida foi How Soon Is Now?. Em contrapart­ida, foram 6 faixas do recente Low in High School.

Ainda assim, é bom ler Morrissey, sempre tão carregado de fantasmas e de personas criadas para si, ter orgulho do passado que viveu. “Não existia qualquer outro grupo como o nosso”, ele garante, igualmente orgulhoso e afiado. “Então, ficamos sozinhos e éramos esquisitos. Não conseguimo­s espaço nos canais de televisão norteameri­canos e não podíamos ser executados nas rádios inglesas. Ainda assim, nós aparecemos muito bem.” Como se fosse possível vê-lo de peito estufado e queixo erguido, Morrissey escreve: “Nenhuma banda moderna é uma experiênci­a tão radical quanto a nossa”. E continua: “Todo o segundo na carreira dos Smiths era um disco. Eu era avisado todos os dias sobre isso: ‘você não pode falar algo assim’, diziam. Mas eu falei.” E segue falando, pare o bem ou para o mal.

A crueldade com os animais na China não me dá outra escolha a não ser pensar que os chineses são uma subespécie”.

AO JORNAL INGLÊS

‘THE GUARDIAN’, EM 2010

“Isso (o atentado que matou 77 pessoas na Noruega) não é nada se comparado ao que acontece no McDonald’s e no Kentucky Fried todos os dias”.

NO PALCO DE VARSÓVIA,

NA POLÔNIA, EM 2011

“Os malucos da esquerda parecem se esquecer que Hitler era um cara de esquerda!”.

EM ENTREVISTA NO SEU SITE

OFICIAL, EM ABRIL DE 2018

“As bandas atualmente parecem exatamente iguais. Usam o mesmo jeans, os mesmos sapatos, as mesmas barbas, eles não se arriscam em nada!” AO ‘ESTADO’, EM OUTUBRO DE 2018

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SAM ESTY RAYNER Moz.O tempo parece ter amansado e curado as feridas

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