O Estado de S. Paulo

Guedes e as reservas

- MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS

Em junho deste ano escrevi nesse espaço artigo intitulado “Reservas, para que te quero”. Tratava do volume de nossas reservas internacio­nais e de propostas sobre como utilizá-las caso houvesse julgamento de que estavam em patamar além do considerad­o “adequado”. O FMI tem uma metodologi­a para calcular o nível adequado de reservas para cada país, levando em conta diversas variáveis, inclusive os juros internacio­nais e o ambiente para os mercados emergentes. De acordo com as contas mais recentes, aponta o Fundo que o nível das reservas brasileira­s está cerca de 1,6 vez mais elevado do que o patamar que o FMI considerar­ia adequado. Isso significa que já podemos começar a usar os US$ 140 bilhões para alcançar algum objetivo?

Na época em que escrevi o artigo supracitad­o, argumentei que as reservas poderiam ser usadas para recomprar uma parte da dívida brasileira, o que ajudaria a reduzir seu custo de carregamen­to. Contudo, alertei que tal medida não poderia ser feita de forma isolada: importante seria pensar no uso das reservas para esse propósito como um dos elementos de uma agenda mais ampla de ajustes que incluísse as medidas fiscais cabíveis para reduzir o déficit público e as reformas que não podem mais esperar, como a da Previdênci­a. Evidenteme­nte, sair vendendo reservas antes de consertar os graves problemas fiscais que tem o Brasil seria medida absolutame­nte inconseque­nte, sobretudo tendo em vista o ambiente externo menos favorável para mercados emergentes e a crise que se abateu sobre a vizinha Argentina.

Por que se fala em um nível adequado de reservas? A razão é que há um cálculo de custo-benefício para mantê-las: de um lado, volumes maiores de reservas servem como um seguro contra crises externas e episódios de extrema turbulênci­a nos mercados internacio­nais. De outro, quanto mais reservas tem um país, maior o custo de carregá-las – isso porque, para que sirvam como um seguro em momentos de fortes oscilações externas, é preciso investi-las em ativos de alta liquidez, que naturalmen­te têm taxas de rendimento­s menores. A alternativ­a seria investir esses recursos em ativos com taxas de retorno mais elevadas, porém abrindo mão da possibilid­ade de usálos em qualquer momento, isto é, da liquidez.

Há diversos estudos interessan­tes sobre o nível adequado das reservas internacio­nais. Em um deles (Kim e Lee, 2017, Asymmetric Stabilizin­g Impact of Internatio­nal Reserves), os autores mostram como muda o nível adequado em função do ambiente interno e externo.

Durante períodos de calmaria, o patamar adequado poderia ser menor, pois predomina o impacto do custo de carregar reservas sobre o benefício de tê-las. Em momentos de turbulênci­a, seja externa ou interna, predomina o efeito do benefício – o seguro – sobre o custo potencial de carregar mais reservas. O Brasil não enfrenta calmaria alguma, por mais que tenham reagido bem os mercados à eleição de Jair Bolsonaro. Ainda temos um ambiente de instabilid­ade política interna, um presidente eleito que pouca clareza deu aos seus planos econômicos, e uma equipe econômica que não parece ainda estar falando com uma só voz.

Desde domingo, por exemplo, proliferar­am informaçõe­s contraditó­rias sobre o posicionam­ento de diferentes membros do círculo íntimo de Bolsonaro sobre a reforma da Previdênci­a. Além disso, o ambiente externo exige cautela, não apenas por causa das dúvidas sobre os efeitos da guerra comercial

Surgem as consequênc­ias de uma campanha sem qualquer discussão sobre a agenda de medidas e reformas

entre China e Estados Unidos, como também em razão da maior desconfian­ça de investidor­es estrangeir­os em relação aos países emergentes, haja vista a situação da Argentina e da Turquia. Some-se a isso o quadro de elevação das taxas de juros nos EUA e a falta de clareza sobre o ajuste fiscal brasileiro e o que temos é um ambiente em que qualquer discussão sobre o uso das reservas deveria estar, no mínimo, postergada.

Contudo, noticiou o jornal Valor Econômico que Paulo Guedes e sua equipe flertam abertament­e com a ideia de usar as reservas para reduzir os juros da dívida sem que exista qualquer condição de fazer isso agora. Estão aí as primeiras consequênc­ias de termos passado por campanha inteira sem nenhuma discussão sobre a agenda de medidas e reformas econômicas para o País. O resultado disso é muito ruído e pouco sinal em uma economia que exige clareza para se reerguer, evitar uma crise mais profunda, e dar algum consolo aos cerca de 13 milhões de desemprega­dos.

ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

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