O Estado de S. Paulo

Política e economia, uma união instável

- Cida Damasco É JORNALISTA

Mal começou a transição, e já ficou claro que há dois “partidos” na equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, em relação à reforma da Previdênci­a. Uns querem aproveitar esse período para se entender com a equipe do presidente Michel Temer e com líderes parlamenta­res e pôr para votar a proposta de mudanças na aposentado­ria formatada pelo atual governo – deixando para depois uma segunda etapa, destinada a criar um novo regime. Outros, capitanead­os pelo futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), preferem começar do zero, em 2019, com uma proposta própria, que mire o longo prazo.

Divergênci­as em torno da Previdênci­a não são novidade. O tema frequentou a lista de prioridade­s de Temer e, mesmo assim, a reforma foi arquivada. Num País praticamen­te conflagrad­o pela polarizaçã­o da campanha eleitoral, seria impossível discutir com cabeça fria esse tema – essencial para impedir o colapso das finanças públicas, mas que mexe, e muito, com as perspectiv­as de vida da população. Por isso, técnicos e políticos nem sempre têm visões coincident­es sobre os problemas nesse campo – muito menos sobre as soluções.

No caso do novo governo, como era de se esperar, essas divergênci­as apareceram ao longo da campanha e só não foram mais estridente­s por dois motivos. O primeiro foi a ordem de “calem-se”, transmitid­a pelo candidato aos integrante­s do seu grupo, inclusive ao seu guru econômico, Paulo Guedes. O segundo foi a multiplici­dade de outros temas polêmicos, principalm­ente na área social.

Entre empresário­s e investidor­es, não se fala de outra coisa, a não ser sobre a necessidad­e de provas da extensão e da profundida­de do liberalism­o do novo presidente, cujo teste decisivo seria a reforma da Previdênci­a. Os sinais, porém, são de que antes será preciso aparar arestas dentro da equipe. O próprio Guedes já explicitou essas diferenças, ao deixar claro, em outras palavras, que Lorenzoni é do ramo da política e, portanto, não fala de economia. O futuro ministro-chefe da Casa Civil havia tachado a proposta de Temer de “remendo”. Pesa a favor da alternativ­a de pegar carona na reforma de Temer o fato de que não há eleição pelo caminho, para pressionar os parlamenta­res a votar contra mudanças de regras nas aposentado­rias — muitos deles nem estarão de volta ao Congresso no ano que vem. Para que ela funcione, contudo, será preciso “convencer” Lorenzoni, a quem caberá comandar a articulaçã­o política, de que as mudanças são urgentes. E não apenas um desejo dos economista­s.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil