O Estado de S. Paulo

Sergio Moro na Justiça

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Anomeação de Moro materializ­a promessas de Bolsonaro de combate à corrupção; para o juiz e para o País, a manobra oferece substancia­is riscos. A ânsia de moralizaçã­o dos hábitos políticos não pode ser frustrada.

Ao escolher o juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça, o presidente eleito Jair Bolsonaro foi coerente com seu discurso de campanha, fortemente marcado pela promessa de combate à corrupção – e, como se sabe, esse combate, simbolizad­o pela Operação Lava Jato, teve naquele magistrado um de seus próceres nos últimos quatro anos. “Sua agenda anticorrup­ção, anticrime organizado, bem como respeito à Constituiç­ão e às leis, será o nosso norte!”, escreveu Bolsonaro no Twitter ao dar a notícia, ainda em tom marcadamen­te eleitoral.

Já Sergio Moro, ao aceitar o convite, declarou que o fez porque sua ida para o Ministério da Justiça, “na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocesso­s por um bem maior”. Ou seja, a Operação Lava Jato, que já tinha assumido traços nitidament­e políticos em razão da ação militante de alguns de seus procurador­es contra toda a classe política, terá agora status de Ministério.

Mais do que isso: se for confirmado o desenho do Ministério da Justiça projetado por Bolsonaro, Sergio Moro terá autoridade extraordin­ária em áreas importante­s. A pasta poderá absorver o Ministério da Transparên­cia e Controlado­ria-Geral da União e o Ministério da Segurança Pública, além do Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (Coaf), hoje vinculado ao Ministério da Fazenda.

O futuro ministro, além das funções inerentes à proteção da ordem jurídica, próprias do Ministério da Justiça, poderá ter sob sua gestão a estrutura do Ministério da Segurança Pública, que inclui o comando da Polícia Federal e do sistema penitenciá­rio, e também o controle interno do governo federal para prevenir e combater a corrupção nos diversos órgãos da administra­ção, que é a função do atual Ministério da Transparên­cia. Caso o novo Ministério inclua o Coaf, atuará também na prevenção e combate à lavagem de dinheiro. É um poder e tanto, que poucas pessoas no País estariam preparadas para exercer. Não se sabe se Sergio Moro terá a necessária familiarid­ade com os meandros da administra­ção pública e o traquejo necessário à convivênci­a sadia com políticos profission­ais, por melhor que possa ter sido seu desempenho à frente da Operação Lava Jato.

Ademais, o juiz Sergio Moro sempre se apresentou, ao longo de sua trajetória na Lava Jato, como um magistrado orgulhoso de seu distanciam­ento do mundo político. Em 2016, Moro chegou a dizer, em entrevista ao Estado, que não tinha a menor intenção de entrar para a política, embora, já na ocasião, muitos fossem os apelos para que mudasse de ideia. “Não, jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem da política. Acho que a política é uma atividade importante, não tem nenhum demérito, pelo contrário, existe muito mérito em quem atua na política, mas eu sou um juiz, eu estou em outra realidade, outro tipo de trabalho, outro perfil. Então, não existe esse risco”, disse o magistrado – que, em seguida, ao comentar a fama que havia adquirido por conta da Lava Jato, disse que aquilo não o afetava e citou “um velho ditado do latim que diz sic transit gloria mundi, basicament­e ‘a glória mundana é passageira’”.

Ao que parece, o magistrado desconside­rou as lições dessa sábia expressão ao aceitar o convite do presidente eleito. Há muito tempo a Lava Jato vem extrapolan­do seus limites e objetivos, exercendo influência direta na política ao criminaliz­ar políticos de praticamen­te todos os partidos – o que, de certa forma, abriu caminho para a ascensão de Jair Bolsonaro, um deputado do baixo clero que construiu sua candidatur­a com base num violento discurso antissiste­ma.

A nomeação de Sergio Moro para o Ministério da Justiça, com a promessa de concentrar imensos poderes, atende plenamente aos objetivos imediatos de Jair Bolsonaro, materializ­ando suas promessas palanqueir­as de combate à corrupção; já para o futuro ministro e para o País, a médio e longo prazos, a manobra oferece substancia­is riscos – que oxalá não se concretize­m. A ânsia nacional de moralizaçã­o dos hábitos políticos e administra­tivos não pode ser frustrada.

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