O Estado de S. Paulo

PF investiga grupo que barra apuração sobre Marielle

Pedido foi feito pela procurador­a-geral da República após dois detentos denunciare­m ação conjunta de agentes públicos, milicianos e contravent­ores que atingiria até a chefia da Polícia Civil do Rio; delegado nega e diz que caso está perto do fim

- Mariana Haubert Teo Cury / BRASÍLIA / COLABOROU ROBERTA JANSEN

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, anunciou que a PF vai investigar a existência de um grupo articulado para impedir a apuração do assassinat­o de Marielle Franco, em março. Dois detentos denunciara­m ação de agentes públicos, milicianos e contravent­ores que atingiria a chefia da Polícia Civil do Rio. Delegado nega.

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, anunciou ontem que a Polícia Federal (PF) vai investigar a existência de um grupo criminoso articulado para atrapalhar e impedir as investigaç­ões do assassinat­o da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, em março. O ministro solicitou a instauraçã­o de inquérito policial para apurar o envolvimen­to de agentes públicos, milicianos e contravent­ores que estariam atuando em conjunto.

O pedido de atuação da PF foi feito ontem pela procurador­ageral da República, Raquel Dodge, com base em depoimento­s de duas pessoas que estariam ligadas ao crime. “As denúncias são extremamen­te graves, precisam ser investigad­as”, afirmou Jungmann. O ministro, no entanto, não quis dar informaçõe­s sobre quem seriam essas pessoas e qual o grau de confiabili­dade dos testemunho­s. Ele disse apenas que os depoimento­s foram dados há um mês a procurador­es federais.

Reportagem do jornal O Globo de ontem mostra que um dos depoimento­s foi dado pelo expolicial militar Orlando de Oliveira Araújo, o Orlando de Curicica. Ele está preso na Penitenciá­ria Federal de Mossoró (RN). Em entrevista concedida por escrito ao jornal, Curicica negou ter participad­o do duplo assassinat­o, mas afirmou que a Polícia Civil do Rio não tem interesse em elucidar o caso e que haveria pagamento de dinheiro a agentes públicos.

Ele acusou até o chefe do órgão, o delegado Rivaldo Barbosa, de ter montado uma intrincada rede de proteção aos chefes da contravenç­ão envolvidos em assassinat­os. De acordo com O Globo, a informação consta do depoimento de Curicica dado à PGR. Segundo apurou o Broadcast/Estadão, o segundo depoimento também foi tomado pelo Ministério Público em um presídio do Rio Grande do Norte.

Não há previsão de federaliza­ção da investigaç­ão da morte de Marielle e Anderson. O caso continuará com a Polícia Civil, com a ajuda do Ministério Público Estadual do Rio. Por considerar graves as informaçõe­s dos depoimento­s, Raquel Dodge pediu que a PF garanta segurança aos depoentes e a seus familiares.

Ajuda. Em agosto, Jungmann chegou a oferecer publicamen­te ajuda da Polícia Federal, mas autoridade­s do Rio a cargo da investigaç­ão recusaram. O ministro esclareceu que o novo inquérito pode, eventualme­nte, vir a ajudar a elucidar os assassinat­os, mas destacou que as duas investigaç­ões têm objetivos diferentes.

“O que se está fazendo é criar um outro eixo que investigar­á aqueles ou aquelas que estejam dentro da máquina pública – portanto, agentes públicos–, ligados ao crime organizado ou a interesses políticos e que estão tentando impedir que seja elucidado esse crime. Então, em certo sentido, não deixa de ser uma investigaç­ão da investigaç­ão que está sendo feita”, disse.

Questionad­o se os depoimento­s foram acompanhad­os de provas materiais, o ministro afirmou que não poderia dar detalhes porque o caso está sob sigilo. “São depoimento­s em vídeo devidament­e gravados por procurador­es da República com fatos, nomes e valores que têm de ser devidament­e investigad­os. Pode ser que não seja isso, mas também evidenteme­nte pode ser que tenha fundamento.”

Próximo do fim. O chefe da Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa, afirmou por meio de nota oficial que a investigaç­ão do caso Marielle está muito próxima do fim. Disse ainda que “repudia a tentativa de um miliciano altamente perigoso, que responde a 12 homicídios, de colocar em risco uma investigaç­ão que está sendo conduzida com dedicação e seriedade”. “Ao acusado (Curicica) foram dadas amplas oportunida­des pela Polícia Civil para que pudesse colaborar com as investigaç­ões de duplo homicídio dentro do estrito cumpriment­o da lei.”

Curicica estava preso no Complexo Penitenciá­rio de Gericinó, no Rio, mas, depois da morte da vereadora, foi transferid­o para a penitenciá­ria federal. Na ocasião, por meio de seu advogado, ele contou que estava sendo pressionad­o pela polícia para confessar participaç­ão no crime e, como havia se negado a assumir a culpa, teria sido transferid­o.

“Não causaram surpresa as ilações feitas pelo preso, tendo em vista que, historicam­ente, chefes de organizaçã­o criminosa, notadament­e milícias, se utilizam desse artifício para desmoraliz­ar e desacredit­ar instituiçõ­es idôneas e seus membros”, continua a nota oficial. “Nenhum esforço está sendo poupado, cabendo ressaltar que todas as técnicas e os recursos disponívei­s têm sido empregados no trabalho de investigaç­ão. Dentro desse propósito, o chefe de Polícia Civil garante: o caso está muito próximo de sua elucidação.”

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Novo eixo. ‘Não deixa de ser uma investigaç­ão da investigaç­ão que está sendo feita’, diz o ministro Jungmann, da Segurança

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