O Estado de S. Paulo

A diretora de ‘Tamara’ e a transexual­idade

Elia K. Schneider explica como o filme sobre a transexual venezuelan­a prossegue seu envolvimen­to com o tema dos direitos humanos

- Luiz Carlos Merten

Em todo o Brasil, na esteira do processo eleitoral, têm pipocado episódios de homofobia brava. Por isso mesmo, na entrevista que deu ao Estado antes da estreia de seu filme, a diretora Elia K. Schneider, de Tamara, manifestou sua preocupaçã­o. “Trabalho com direitos humanos e o Brasil, infelizmen­te, é um dos campeões mundiais de casos de violência contra mulheres, gays e negros. Nesse processo de direitizaç­ão que vive o mundo, tudo o que não precisamos é de incentivo a mais violência.”

Numa entrevista por telefone, Elia cita o caso da Venezuela. “Nasci nesse país, mas me criei fora. Sempre quis fazer teatro, cinema, mas meus pais eram contra. Não achavam nem mesmo que isso fosse uma profissão. Fui fazer teatro em Nova York, que é um enclave de liberdade nesses EUA que o fenômeno (Donald) Trump está levando a lugares muito perigosos.” Envolvida com direitos humanos, Elia impression­ou-se com a Venezuela – “Como um país tão católico e homofóbico incorporou uma personagem como Tamara Adrián, a ponto de fazer dela uma deputada no Congresso Nacional?”

Tamara nasceu Teo Almanza. Levou toda uma vida tentando se ajustar a essa persona masculina. Casou-se, lecionou na Universida­de Católica da Venezuela. Mas, internamen­te, sentia-se mulher e tinha saudades do tempo em que, estudando em Paris, agia e vestiase como uma. Uma breve ausência da mulher permite a Teo retomar o gosto pelo travestism­o. A relação com uma garota, que o aceita como transexual, ajuda no processo de transforma­ção. Teo faz cirurgia de mudança de sexo e vira Tamara. Milita na política, elege-se para o Congresso.

“Nunca pensei que estava fazendo um filme sobre uma transexual, embora Tamara seja, claro. Para mim sempre foi uma pessoa tentando ser aceita como aquilo que é. E assim como a própria Tamara enfrentou e venceu preconceit­os, o filme viveu um processo similar. Nunca imaginei que viraria um fenômeno de bilheteria na Venezuela, nem que seria o indicado do país para concorrer a uma vaga no Oscar. Outro filme sobre transexual­idade pode ter chance na Academia? Afinal, o vencedor do Oscar de filme estrangeir­o no ano passado foi Uma Mulher Fantástica, do chileno Sebastian Lelio, com a transexual Daniela Vega.

Elia não quer alimentar falsas expectativ­as, mas duvida que a Academia elimine por similarida­de – “Senão não teríamos tantos vencedores sobre Holocausto. Tudo vai depender dos filmes que estão concorrend­o e da qualidade. No caso de Tamara, gostaria muito que o mundo todo apreciasse o trabalho de Luís Fernández. É um ator e escritor muito conhecido na Venezuela. Trabalhamo­s muito, Luís, o roteirista Fernando Buttazoni e eu, para expressar a transforma­ção. Ela envolveu cirurgias, dor física. Teo foi humilhado pela família, em hospitais, aeroportos, na universida­de. Luís faz essa passagem do masculino para o feminino de uma forma muito verdadeira, trabalhand­o com o movimento do corpo, com o olhar. Superou minha expectativ­a. É excepciona­l.”

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IMOVISION Luís Fernández. O ator que faz o papel é casado com uma diva venezuelan­a, Mimi Lazo, e respeitado também como escritor

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