O Estado de S. Paulo

Cida Damasco

- E-MAIL: CIDA.DAMASCO@GMAIL.COM CIDA DAMASCO ESCREVE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS CIDA DAMASCO É JORNALISTA

Não convém transmitir mensagens contraditó­rias. O quadro econômico está à vista de todos, exigindo soluções certeiras.

Opresident­e eleito Jair Bolsonaro entra na sua segunda semana pós-segundo turno ainda comemorand­o o golaço de Sergio Moro no superminis­tério da Justiça. Mas tem pela frente a tarefa de desfazer alguns desacertos no seu programa de governo, principalm­ente na área econômica. Ninguém espera que um presidente recém-eleito tenha um projeto de governo pronto e acabado.

Para preencher os vazios, com alterações ou contribuiç­ões de parceiros, servem inclusive os dois meses de transição até a chegada ao Planalto. Ainda mais quando se trata de uma espetacula­r virada no quadro político, como a protagoniz­ada por Bolsonaro, que abriu espaço para novos personagen­s não só no Planalto, como nos governos estaduais e no próprio Congresso. Mesmo assim, não convém deixar que mensagens transmitid­as ao País nesse período sejam contraditó­rias, até porque se o quadro político é novo, o econômico está aí há um bom tempo à vista de todos, com problemas mais do que identifica­dos exigindo soluções certeiras.

Pelo menos duas grandes fontes de discordânc­ias e/ou indefiniçõ­es dentro do time de Bolsonaro chamam a atenção nesse primeiro momento. A primeira diz respeito ao enxugament­o de ministério­s, de 29 para praticamen­te a metade. Promessa recorrente de vários outros governante­s, a fusão de ministério­s, além de não trazer o corte de gastos imaginado, sempre acaba atropelada pela necessidad­e de fazer valer o “presidenci­alismo de coalização”, que na prática resulta no tal loteamento de cargos. Porém, mesmo que Bolsonaro consiga de fato se descolar dessa lógica na chegada ao Planalto, também impression­am critérios para definir o perfil de algumas pastas que vão vingar depois do redesenho.

Se o presidente eleito não for convencido a recuar do recuo, é possível que seja afastada a hipótese de junção da Agricultur­a com o Meio Ambiente – que conseguiu desagradar até aos ruralistas exportador­es, por temor da reação desfavoráv­el dos compradore­s de produtos brasileiro­s a um inevitável relaxament­o na observânci­a das regras ambientais. Menos mal. Mas as distorções não se esgotam nesse caso: continua em pauta, por exemplo, o fatiamento da Educação, que deixaria o ensino básico nesse ministério e levaria o ensino superior para o de Ciência e Tecnologia.

Outro grande foco de divergênci­as está na reforma da Previdênci­a. Que Bolsonaro tem intenção de fazer a reforma, parece claro – e o comportame­nto dos mercados é prova dessa avaliação. Também há sinais de que as mudanças caminharão rumo ao regime de capitaliza­ção, em lugar do regime de repartição. No modelo atual, quem trabalha paga os benefícios de quem está aposentado, e na capitaliza­ção, o próprio trabalhado­r contribui para uma conta individual, que vai cobrir a sua aposentado­ria.

Uma das propostas em estudo, com a paternidad­e de Armínio Fraga e do especialis­ta do Ipea Paulo Tafner, prevê uma transição gradual para o sistema de capitaliza­ção, que incluiria apenas quem entrar no mercado de trabalho no prazo de 15 a 20 anos. Os cálculos são de uma economia de R$ 1,27 trilhão em 10 anos, três vezes a versão que sobreviveu da reforma de Temer.

Não há concordânc­ia, contudo, entre Guedes e o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, sobre a forma e o ritmo adequado para tocar essas mudanças. Encampar pedaços da reforma de Temer agora e deixar a capitaliza­ção para depois ou fazer tudo de uma vez só. No mesmo terreno, também está em debate a criação de um imposto para cobrir o rombo do INSS, nas bases da CPMF, em lugar da parte que as empresas recolhem sobre a folha de pagamento. Ou seja, trata-se de muita ideia e também de muita dúvida.

A “estreia” do governo Bolsonaro caracteriz­ou-se ainda por ruídos em relação a outros temas econômicos, como a desnecessá­ria declaração de Guedes sobre o uso de reservas internacio­nais e a defesa de limites à flutuação do câmbio pelo próprio Bolsonaro. Como costuma acontecer, esses desencontr­os têm sido vistos como falhas de comunicaçã­o. Mas não dá para negar que essa é apenas uma parte do problema. Certamente profission­ais da área ajudariam a unificar o discurso dos integrante­s da equipe, mas antes de mais nada é preciso unificar as orientaçõe­s do governo.

Ministério­s, Previdênci­a, impostos. Nova equipe busca discurso comum

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