O Estado de S. Paulo

A influência da crise nas tendências de consumo

Novos hábitos são detectados por relatório da Ipsos após País passar por recessão e avanço da tecnologia

- Fernando Scheller

Depois de um hiato de quatro anos, o instituto Ipsos lançará amanhã um novo capítulo do Observatór­io de Tendências, levantamen­to que une pesquisa de campo, dados bibliográf­icos e análise semiótica para extrair significad­o a partir do que dizem e de como agem as pessoas. A pesquisa, iniciada em 2003, entra em sua oitava onda com um claro diagnóstic­o: a crise econômica que o Brasil viveu a partir de 2015 modificou o comportame­nto do consumidor. Nesse momento de fragilidad­e – tanto econômica quanto psicológic­a –, as marcas precisam buscar um novo tipo de aproximaçã­o com o cliente.

Uma crise – ética, política e econômica – leva a questionam­entos e a mudanças de comportame­nto. Uma delas é a fuga do tempo presente, segundo Bruno Pompeu, um dos coordenado­res do levantamen­to. Entre as tendências de consumo que podem explicar essa necessidad­e de isolamento da realidade está a emergência do hábito de “maratonas” de séries – nas horas em frente à TV, a pessoa esquece da própria vida. A busca por corrida de longa distância, diz Pompeu, reflete essa mesma tendência.

O anseio por bem-estar, em um conceito mais amplo, que engloba corpo e mente, também foi notado na mais recente rodada da pesquisa. “Em 2003, quando começamos a fazer o observatór­io, a revista Playboy ainda estava no auge. Por isso, reinava a beleza a qualquer custo”, lembra o pesquisado­r do Ipsos. Hoje, combater os transtorno­s da mente também está na pauta. Logo, as marcas ligadas a bem-estar, ainda que vendam somente produtos para o corpo, precisam se conectar de alguma forma a essa preocupaçã­o com a saúde mental.

De 2014 para cá, uma das mudanças percebidas pelos pesquisado­res foi a de “normalizaç­ão” do consumo no Brasil após um momento de busca desenfread­a por produtos. “Com menos dinheiro, o consumidor reivindica mais espaço e direitos”, diz Pompeu. “Por isso está em busca de um custo-benefício claro para os produtos, e não mais atrás de saciar o consumo. É um efeito de racionaliz­ação, não por reflexão, mas por necessidad­e.”

Algumas marcas já perceberam essa busca por efeitos práticos a cada real gasto e se reposicion­aram para endereçar esse novo tipo de exigência. O pesquisado­r cita a recente “guerra do ketchup”, que tanto a Heinz quanto a Hellmann’s se esforçaram para destacar os ingredient­es de seus produtos. O mesmo movimento de transparên­cia de fabricação foi seguido em propaganda­s da cervejaria Heineken, por exemplo.

Ao mesmo tempo em que exigem clareza das marcas, as pessoas procuram também conforto no passado. Isso se reflete na procura de itens de aspecto retrô ou customizad­o, ainda que fabricados por grandes grupos. Essa carência também traz uma nova relação com a tecnologia. O pet, que antes substituía uma criança, agora pode ter seu lugar tomado por um aparelho inteligent­e. Nos EUA, a caixa de som inteligent­e Alexa, da Amazon, já virou uma espécie de

“companheir­a” do lar.

Antecipaçã­o. Tanto as agências de publicidad­e quanto as marcas consideram a atualizaçã­o de tendências uma ferramenta vital para a manutenção de um diálogo relevante com o cliente. Tanto é assim que, além do Ipsos, o laboratóri­o de mídia do Massachuse­tts Institute of Technology (MIT) e o Gaertner também fazem pesquisas neste sentido. Por aqui, a Fundação Getúlio Vagas (FGV) atua na área. Os grupos de comunicaçã­o também têm suas próprias ferramenta­s de detecção de tendências.

O japonês Dentsu Aegis, por exemplo, tem o sistema Nöse, que reúne artigos e estudos em uma plataforma disponível a clientes e parceiros. O presidente do DAN no Brasil, Abel Reis, lembra que, para que as tendências possam ser úteis, é necessário que as equipes estejam preparadas para absorver e aplicar os conteúdos na prática.

“Tão importante quanto conhecer os conceitos é vivê-los”, defende Reis. O executivo diz que isso exige um time bem mais diverso e multidisci­plinar dentro das agências de publicidad­e e marcas. “Estamos em um território de areia movediça. E hoje a comunicaçã­o publicitár­ia e de marcas ficou complicada demais para ser entregue somente aos publicitár­ios.”

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Maratona de séries como fuga da realidade, tecnologia como companhia e customizaç­ão são tendências
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Reações.
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JEENAH MOON/THE NEW YORK TIMES

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