O Estado de S. Paulo

Macri 2.0?

- FABIO GIAMBIAGI ECONOMISTA

Há quatro anos, quando estávamos prestes a ingressar em 2015, o observador médio da economia argentina, se recebesse a informação vinda do futuro de que Mauricio Macri seria eleito no pleito daquele ano, teria feito o diagnóstic­o de que o futuro presidente provavelme­nte tentaria implementa­r um programa econômico ortodoxo, mas enfrentari­a dificuldad­es no terreno da política. Em outras palavras, a perspectiv­a seria de uma economia melhorando, mas com a política agitada. O que aconteceu, anos depois?

No começo do seu governo Macri fez a leitura de que a fragilidad­e com a qual assumiu o cargo – em minoria parlamenta­r, com os sindicatos contrários e Cristina Kirchner ainda com elevada popularida­de – dificultav­a a adoção de um programa econômico muito severo. Assim, a ortodoxia ficou circunscri­ta à busca da “verdade tarifária”, depois de anos de benesses do governo kirchneris­ta, que tinha deixado todas as esferas sujeitas a concessões públicas – com destaque para os setores de energia elétrica e gás – à beira do colapso.

Nesse campo, sim, houve um ajuste de alguma forma comparável – porém mais intenso – ao que no Brasil tivemos em 2015 quando Joaquim Levy, ainda no governo Dilma Rousseff, começou a corrigir o descalabro setorial cometido em 2012 no setor de energia. Assim, já no começo de 2016 os argentinos começaram a receber contas de luz e gás sensivelme­nte mais caras, o que afetou negativame­nte a popularida­de do novo governo.

Talvez pela percepção de que Macri não podia dar-se ao luxo de lutar em várias frentes ao mesmo tempo, as autoridade­s argentinas escolheram não encarar pra valer a batalha contra dois inimigos tradiciona­is da ortodoxia: o déficit público e a inflação. Em ambos os casos, a opção pelo gradualism­o se deu sob a justificat­iva de que a sociedade não toleraria um enfrentame­nto “selvagem” desses problemas.

No campo fiscal, isso levou a uma política que, com exceção da redução dos subsídios, pouco diferia das políticas de tantos governos latino-americanos. Não fosse Macri da origem ideológica da qual provém, qualquer observador isento não hesitaria em qualificar sua política fiscal de “populista”. Isso levou a que, em 2016, o déficit público fosse da ordem de grandeza do brasileiro, sem que tivessem sido tomadas medidas corretivas de fundo para controlar a sua evolução. A ideia era seguir o que se poderia definir como “estratégia Clinton”, que nos seus anos de governo teve um desempenho fiscal muito positivo, controland­o a despesa e se benefician­do do aumento da receita propiciado pelo desempenho da economia. Isso, porém, demanda tempo e sorte. O primeiro, para que anos de incremento da receita se encarregue­m de reduzir o desequilíb­rio. O segundo, para que no meio do caminho não surjam imprevisto­s que dinamitem a estratégia. Detalhe importante: o déficit primário médio de 2016-2017, com Macri, foi maior que o de 2015, com Cristina Kirchner. Numa empresa, esse tipo de conduta se chama “gestão temerária”.

No caso da inflação, esta foi vítima da decisão de Macri de dividir a equipe, fragmentan­do as pastas ministeria­is e evitando o surgimento da figura de um “superminis­tro” – um erro grave. Nesse contexto, surgiu a figura de Federico Sturzenegg­er, o presidente do Banco Central, visto como o símbolo do combate à inflação. Assim, durante 2016 e, especialme­nte, 2017, ele resistiu às pressões para adotar uma política monetária mais branda, como forma de estimular a economia. Foi assim até que em dezembro de 2017, numa desastrosa entrevista à imprensa, com cara de que tinha engolido um tijolo e ladeado pelo equivalent­e de chefe da Casa Civil argentino, ele anunciou a mudança da meta de inflação para 2018 para criar as condições para uma política monetária mais relaxada. O que se seguiu foi um case de livro-texto de economia, com o governo autoimpedi­do de elevar os juros, expectativ­as de inflação em aumento e um comportame­nto dos preços muito pior que o previsto. Assim, a inflação em 12 meses, de 25% em 2017, começou a subir e, num contexto de diversos erros operaciona­is que não há espaço aqui para explicar, alcançou 31% em julho, muito acima da meta oficial do ano definida em dezembro, de 15% e na qual desde o início ninguém acreditou. Nos 12 meses até setembro, escalou a 41%. Assim, o regime de metas de inflação ardeu em praça pública – e o país teve de recorrer ao FMI.

Favorecido pelo protagonis­mo de Cristina – o melhor e o pior candidato possível que o peronismo pode exibir –, cujos índices de aprovação e rejeição eram ambos muito elevados, Macri conseguiu negociar durante dois anos, fiel ao princípio de “dividir para reinar”. Hoje, o peronismo tem cinco vértices diferentes: 1) Cristina, que se for candidata tende a consagrar Macri, pela sua rejeição; 2) Sergio Massa, peronista dissidente que saiu terceiro nas eleições de 2015, mas tem grandes dificuldad­es para ser apoiado fora da estrutura do peronismo; 3) os congressis­tas “dialoguist­as”, fortes no Parlamento mas sem expressão nacional; 4) o sindicalis­mo, que preserva parte da sua força, mas desmoraliz­ado politicame­nte; e 5) os governador­es, de bom diálogo com o Macri, mas que procuram formas de se diferencia­r de um governo visto como tóxico, o que complica as negociaçõe­s.

Numa célebre passagem, na sua crítica ao primeiro-ministro Chamberlai­n acerca de sua timidez diante da Alemanha, Churchill disse que “França e Inglaterra tiveram a oportunida­de de escolher entre a indignidad­e e a guerra. Escolheram a indignidad­e. Terão a guerra”. Macri, qual Chamberlai­n, quis evitar a “guerra” de um ajuste maior em 2016 – e agora tem de fazer o ajuste, sem anestesia e a caminho das eleições. Nesse contexto, sua reeleição se tornou mais incerta – embora, por falta de adversário­s, continue representa­ndo o cenário principal.

Ele quis evitar a ‘guerra’ de um ajuste maior em 2016 e agora a sua reeleição é incerta

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