O que os americanos podem aprender com a Hungria
Discurso do Partido Republicano tem apresentado similaridades com o do governo de Viktor Orban, da Hungria
Uma conferência de tecnologia que ocorreu na semana passada poderia ter sido realizada em qualquer outra grande cidade da Europa ou dos EUA. Dela participaram executivos do Google, Slack, LinkedIn, Airbnb e outros. Tomei parte no evento falando sobre a estratégia digital do jornal The New York Times e passei mais três dias em Budapeste para explorar a cidade e entrevistar pessoas.
Como muita gente que visita a Hungria pela primeira vez, fiquei encantado. A cidade está repleta de monumentos do século 19 que dão vista para o Rio Danúbio e resplandecem à noite. O antigo bairro judeu é animado por bares e cafés. Há um setor de tecnologia que vem crescendo.
Mas agora, você já ouviu falar, a Hungria possui também um dos governos autocráticos do mundo, conduzido pelo primeiro-ministro, Viktor Orban, e seu partido de extrema direita, o Fidesz. O país hoje é mencionado ao lado de Rússia e China. Em Budapeste, porém, a vida não dá a impressão de ser autoritária, mas ocidental. E isso, quando refleti sobre a minha viagem – e sobre a campanha nas eleições americanas de meio de mandato –, me deixou profundamente inquieto.
Orban não é Vladimir Putin ou Xi Jinping. Ele não prende seus opositores nem os brutaliza. O que ele fez foi esmagar a concorrência política. Ele manipulou e mudou as regras eleitorais de maneira que não necessita de uma maioria de votos para controlar o governo. Sancionou leis aprovadas pelo Parlamento com pouco debate. E tem confiado na mídia amistosa para repercutir suas mensagens e difamar seus oponentes, além de colocar aliados nos tribunais.
Para justificar seu regime, ele cita ameaças externas – especialmente os imigrantes muçulmanos e George Soros, o investidor judeu nascido na Hungria, e afirma que seu partido é o único que representa a população de verdade. Isso soa familiar?
Não consigo imaginar os EUA ou um país europeu ocidental se transformando numa Rússia ou China. Mas consigo ver como uma grande democracia pode deslanchar para uma autocracia como a húngara. Orban claramente tem essas ambições e a extrema direita em grande parte da Europa o adota como modelo. Steve Bannon elogiou-o como o político mais importante do mundo.
O mais alarmante é que o Partido Republicano tem mostrado múltiplos sinais de “orbanismo”. Os republicanos não são tão ruins como o Fidesz. A democracia americana continua muito mais robusta do que a húngara. Mas os paralelos estão presentes: como Orban, os líderes republicanos repetidamente mostram desejo de mudar as regras e as tradições da democracia em benefício do poder incondicional.
Sua lista inclui votar leis impopulares no Congresso sem muitos debates; contar mentiras sobre esses projetos de lei; roubar um assento na Suprema Corte para manter a maioria republicana; impedir cidadãos americanos de votar; manipulações; fazer campanhas com base no racismo e na xenofobia; recusar-se a investigar atos corruptos e elos com a Rússia.
Normalmente, Trump nem é a principal força por trás dessas táticas. Outros republicanos são. Naturalmente, é verdade que os democratas às vezes jogam duro também, mas no caso deles não existe nenhum registro remotamente parecido ao citado acima.
É por isso que as eleições de meio de mandato são tão importantes. Os republicanos quase certamente perderão a eleição para a Câmara dos Deputados. Mas, se ainda assim mantiverem a maioria – graças em parte à supressão de eleitores –, os líderes do partido assumirão isso como um endosso da sua estratégia. Não pagarão nenhum preço político por sua apropriação do poder. E serão tentados a ir mais longe – impedir mais eleitores, usar mais racismo, encobrir mais escândalos e violar as regras e tradições democráticas.
Os EUA não se tornarão repentinamente uma Hungria. Mas a democracia americana vai sofrer. E as democracias podem deteriorar mais rapidamente do que as pessoas imaginam. Não faz muito tempo, a Hungria era o exemplo brilhante do sucesso pós-soviético. Havia uma alternância de poder entre a centro-direita e a centro-esquerda.
Orban – um ativista pró-democracia durante o final do regime soviético e um dos fundadores do Fidesz – tornou-se primeiro-ministro em 1998. Depois de um único mandato, perdeu o posto. E reagiu com um plano para reconquistar o poder por “15 a 20 anos”, como afirmou na época.
O Fidesz venceu as eleições em 2010 com ajuda de um governo socialista incompetente e uma estagnação de renda generalizada. A estratégia de Orban teve como base três pilares principais. Primeiro, o controle da mídia. Segundo, lançou uma guerra cultural envolvendo o cristianismo que desacreditou seus oponentes. Terceiro, mudou as regras da democracia. Em cada um desses aspectos, o Fidesz é uma versão turbinada do Partido Republicano.
Retórica. Os aliados de Orban passaram a controlar muitas das grandes empresas de mídia. Exatamente como a Fox News, a mídia húngara ignora assuntos inconvenientes, como os protestos contra Orban. E, pelo contrário, ela fomenta conspirações, especialmente as anti-imigrantes, Roma e antissemitas, como observou Paul Lenvai. Durante minha estadia no país, jornais publicaram artigos relacionados a Soros por uma razão pouco aparente e havia conversas sobre a “caravana Soros”, a mesma matéria fabricada disseminada na direita americana.
Foi assustador ver uma mensagem republicana nas eleições de meio de mandato tão próxima da de Orban. Em ambos os casos, as hordas fictícias invadindo – e aqueles que supostamente as apoiam – são inimigas do povo. A guerra cultural de Orban também envolve muito machismo. Ele tentou eliminar os estudos sobre gênero nas universidades húngaras. Na cúpula do Fidesz não há uma única ministra. Quando vi fotos dos políticos húngaros, lembrei-me do grupo formado só de homens dos republicanos que tentaram reformular a lei sobre a saúde nos EUA. Ou do grupo, todo masculino, de republicanos que projetou os cortes de impostos sancionado por Trump. Ou aqueles republicanos homens que decidiram sobre as nomeações para a Suprema Corte na Comissão de Justiça da Câmara.
No entanto, nenhum paralelo é mais forte ou mais preocupante do que a subversão da opinião pública por meio de mudanças nas leis eleitorais e outras medidas. István Bibó, político húngaro do século 20 e escritor, disse certa vez que a democracia está ameaçada quando a causa do país é separada da causa da liberdade. Isto já sucedeu na Hungria e existem sinais alarmantes – sinais que jamais pensei ver – nos EUA.
É claro que os partidos conservadores, estejam onde estiverem, pressionam no sentido de mudanças políticas que defendem. Mas, vencendo ou perdendo, esses partidos também precisam aceitar as regras básicas da democracia. Quando, inversamente, eles subvertem estas regras, espero que os cidadãos – incluindo os conservadores – tenham a coragem de resistir. Na Hungria, isso já não é mais fácil. Nos EUA, o dia de hoje ajudará os americanos a determinar o vigor de sua democracia.
As eleições de hoje ajudarão os americanos a determinar o vigor de sua democracia
É COLUNISTA