O Estado de S. Paulo

Uma típica casa chilota

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“E então, como foi?”, perguntou Franco, da equipe de guias, a um casal que retornava ao hotel depois de um dia de passeio. “Foi ótimo, Sandra é incrível”, respondera­m. Minutos depois, Franco me explicava que, no roteiro por Quinchao, eu também conheceria Sandra, sua respeitada produção agrícola e também sua casa, uma típica residência chilota.

Entre tantas definições, Sandra Naiman é agricultor­a. Nascida na casa ao lado da que mora, cresceu no campo e aprendeu o que, anos depois, viria aperfeiçoa­r. Mora sozinha e cuida dos 5 hectares de terras cultivávei­s também sozinha, algo que admira a todos que a visitam, sobretudo porque ela dispensa maquinário e agrotóxico­s em suas plantações, mantendo as técnicas tradiciona­is de cultivo – o que lhe rendeu o selo Sipam como Patrimônio Agrícola Mundial. E como se não bastasse todo esse trabalho, ela ainda dá cursos de capacitaçã­o para mulheres de Quinchao, ensinando de cuidados pessoais a trabalhos que possam garantir a elas independên­cia financeira.

Sandra nos recebe na porta de sua casa (de madeira, por supuesto) e vamos direto para a cozinha, principal cômodo da casa chilota: é ali onde todos se reúnem para jogar conversa fora. Além da alimentaçã­o ser algo muito valorizado, há um motivo prático: a cozinha é também o cômodo mais quente.

“Olha aqui o que aquece as casas chilotas”, diz o guia Javier, respondend­o a uma pergunta que eu havia feito horas antes. Nada de aqueciment­o no chão – algo que existe apenas nos hotéis. O que os aquece é o calor produzido pelos fogões à lenha, onde há canos que esquentam também a água que é usada no cotidiano. Em tempos de muito frio, lareiras e/ou aquecedore­s elétricos auxiliam na tarefa de aquecê-los.

Saímos para conhecer a área externa do terreno, começando pelo pequeno jardim com tulipas e seguindo para a extensa plantação de quatro tipos de batatas – naquele dia, Sandra havia vendido 50 sacos, de 50 quilos cada. Há ovelhas, porcos imensos (que ela vende ou abate para a festa de fim de ano), horta, estufa e árvores frutíferas – Javier vai puxando frutos e me oferecendo. Por fim, paramos no alto de um morro para contemplar a vista deslumbran­te que Sandra tem de Quinchao.

Meia hora depois, estávamos de volta e, que surpresa agradável, a mesa estava posta para almoçarmos juntos. O motorista Andrés se encarregou de ajeitar tudo durante nosso passeio. As comidas e bebidas (mais vinho!) são trazidas do hotel. Sandra faz essa parceria turística há 6 anos, o que é bom para todos: ela mostra seu trabalho e o hotel garante ao turista uma grata experiênci­a. Bruxarias As horas na casa de Sandra, ao lado de Javier e Andrés, foram o ponto alto da viagem. Batemos longos papos sobre costumes e histórias chilotas e brasileira­s. Eles me contaram sobre os bruxos e bruxarias que ainda existem na região; sobre costumes e tradições, como os dias de festa depois da morte de alguém; e sobre lendas como a do trauco, espécie de duende que vive nas florestas e que encanta mulheres para terem relações sexuais com ele.

“Principalm­ente as jovens solteiras diziam que haviam sido enfeitiçad­as pelo trauco para justificar para a família uma gravidez inesperada”, explica Javier, sem conter o riso. E claro, há a versão feminina do trauco: la viuda. Rimos tanto que, mesmo depois de nos despedirmo­s de Sandra, continuamo­s falando dos seres fantasioso­s até a chegada ao hotel.

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Paradas. Palafitas vistas da Cocineria, em Dalcahue; abaixo, as ovelhas de Sandra Naiman, que cuida de sua propriedad­e sozinha

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