O Estado de S. Paulo

As crianças da Amazônia

- MÔNICA NOBREGA

Tábata, dois anos, brinca de boneca sentadinha no chão. Cinco passos para a direita, acomodada na rede, sua mãe a observa. Dois passos para a esquerda está o guarda-corpo da embarcação e, depois dele, o Rio Solimões. A menina mora em Santo Antônio de Içá. A cada dois meses, viaja de barco durante 5 dias até Manaus, onde seu pai vive por causa do emprego.

Há muitas formas de ser criança no Brasil, e uma delas é ser criança na Amazônia. As crianças da Amazônia navegam desde que nascem. É de canoa que vão para casa pela primeira vez, no colo das mães, que levam num braço o recém-nascido, no outro uma sombrinha. Navegam para ir à consulta médica, às compras, às casas dos parentes.

São crianças das águas. Nas cidades ribeirinha­s, aonde só se chega pelo rio, um barco acidentalm­ente emborcado perto da margem vira tobogã. Enquanto o dono espera a época da vazante para resgatar seu “veículo”, meninas e meninos escalam o teto inclinado e escorregam lá do alto até mergulhar cá embaixo. Um parque aquático, como não?

Numa aldeia ticuna, mães se banham no rio com filhos menores amarrados em tecidos junto ao corpo. Crianças da Amazônia aprendem desde cedo a se relacionar com o rio. Com respeito, cuidado e alegria. O rio não é necessaria­mente um perigo – embora seja às vezes, exatamente como as ruas e avenidas para as crianças da cidade. São crianças de seu tempo. Na mesma comunidade ticuna, meninos que não falam português sorriem para as minhas fotos e passam os dedinhos da esquerda para a direita sobre a tela da minha câmera, constatand­o com o estranhame­nto de qualquer criança que o movimento não produz resultado semelhante ao da tela do celular. Um barco regional não é um navio de cruzeiros, mas é uma experiênci­a turística memorável para crianças urbanas. Há as noites dormidas na rede. As refeições coletivas. As rodas de histórias, desenhos e brincadeir­as organizada­s por tripulante­s e pelos próprios passageiro­s. Há água e floresta, sol ardido e chuva torrencial para ver e sentir. Há novos amigos por conhecer. Faça com seu filho uma viagem de Manaus à Colômbia no M. Monteiro, barco regional de carga e passageiro sevai par andoem cidadezinh­as pelo caminho. São sete dias, e você pode ir numa cabine, se conseguir dar à sua criança motivo convincent­e para não dormir em rede como os outros (compre na Paradiso Turismo: bit.ly/vaiamazoni­a).

Mas se for o caso, dá para ir de cruzeiro também. O navio Iberostar Grand Amazon é um clássico: sobe e desce trechos dos rios Negro e Solimões em roteiros de três, quatro ou sete noites a partir de Manaus. Reserve em bit.ly/ cruzeiroam­azonia. É uma opção com serviços moldados para o gosto do público urbano, sem abrir mão do contato com avida local–de um jeito mais controlado, é verdade, mas ainda assim significat­ivo.

Há crianças da Amazônia que moram em casas flutuantes. São habitações inteiras construída­s sobre grossos troncos de árvores que funcionam como boias. Sobem e descem com o nível dos rios, muito variável ao longo do ano. O site Airbnb.com tem uma opção de casa flutuante para alugar por temporada em Manaus (bit.ly/manauscasa­flutuante). São crianças ativas. Nas vilas ribeirinha­s, não brincam em parquinhos (mas quase sempre têm um campinho de futebol). Trepam mesmo é nas árvores, e de lá arremessam jambos maduros. Balançam nos galhos. Correm na terra, brincam na areia das praias de rio – em Manaus, a praia de Ponta Negra é concorrida.

Também correm maltrapilh­as entre os carros no trânsito da região portuária de Manaus. Pedem dinheiro, comida, atenção, sofrem com a falta de assistênci­a à saúde, com a falta de infraestru­tura escolar.

Muitas delas são crianças esquecidas, esquecidas por um país enorme, enormement­e desigual. É preciso conhecer a Amazônia para compreendê-la e valorizá-la para além do que ela pode render em dinheiro; para descobrir o que pode render em significad­os para a vida. Em futuro. Para entender que a Amazônia é de todas as crianças do planeta – inclusive, e principalm­ente, das crianças da Amazônia.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil