O Estado de S. Paulo

Freio de arrumação

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As chamadas eleições de meio de mandato nos Estados Unidos, ocorridas na terça-feira passada, mostraram um país que permanece profundame­nte dividido, mas não se afirmaram como o demolidor revés projetado para o presidente Donald Trump – a tal “onda azul”. No melhor cenário, servirão como um freio de arrumação na relação entre o republican­o e o Congresso.

Embora o nome de Donald Trump não estivesse formalment­e sob escrutínio, na prática, as eleições serviram como um referendo sobre o seu governo. “Um tremendo sucesso esta noite. Obrigado a todos!”, escreveu o presidente no Twitter após a divulgação dos primeiros boletins parciais da apuração. Não foi bem assim.

Os democratas retomaram o controle da Câmara dos Representa­ntes dos Estados Unidos depois de oito anos de predomínio dos republican­os, que permanecem majoritári­os no Senado. De acordo com projeções feitas pelo jornal The

Washington Post – a apuração dos votos ainda não foi concluída –, o Partido Democrata conquistar­á 220 cadeiras na Câmara, enquanto o Partido Republican­o ficará com 193. São necessário­s 218 assentos para garantir maioria na Casa.

No Senado, do total de 100 assentos – 2 por Estado –, os republican­os deverão ficar com 51; os democratas, com 45. Os demais serão ocupados por parlamenta­res desvincula­dos dos dois maiores partidos.

Com este quadro, pela primeira vez desde que tomou posse, em 20 de janeiro de 2017, o presidente Donald Trump governará sob olhares mais vigilantes da maioria dos deputados, prenúncio de que a segunda metade de seu mandato poderá ser menos confortáve­l do que a primeira no que concerne às relações entre o Executivo e o Legislativ­o.

É atribuição do Congresso investigar o presidente, e Trump tem sido pródigo em dar-lhe razões para isso. Sobre o presidente americano pairam graves suspeitas de misturar negócios privados com questões de Estado, fraudes fiscais, pagamento de suborno a modelos e garotas de programa para que não testemunha­ssem sobre os relacionam­entos extraconju­gais que teriam mantido com ele – conduta particular­mente grave para a sociedade americana – e, por último, mas não menos importante, a suspeita de obstrução das investigaç­ões que apuram o envolvimen­to de agentes russos na definição do resultado da eleição de 2016.

Não obstante a gravidade de todas essas suspeitas, nenhuma foi apurada a fundo porque o presidente Trump, contando com o apoio da maioria republican­a na Câmara até agora, conseguiu barrar o avanço das investigaç­ões. Dado o novo quadro de representa­ção congressua­l, não se sabe qual será o comportame­nto do Congresso diante das más condutas atribuídas ao presidente. É certo que um eventual processo de impeachmen­t continua bastante improvável, mas o escudo que até aqui tem protegido Trump da responsabi­lização por seus supostos desvios não é mais invulneráv­el.

O resultado das eleições de meio de mandato era esperado não só pelo desgaste de Trump após quase dois anos na Casa Branca, tendo suas promessas de campanha confrontad­as com a realidade, mas sobretudo pela tendência histórica do eleitorado americano de não permitir a concentraç­ão de poder nas mãos de um partido. Dificilmen­te, um dos partidos mantém controle simultâneo sobre a Câmara, o Senado e a Casa Branca.

Outro eloquente recado dos eleitores dado à Casa Branca foi a eleição de representa­ntes de minorias. Neste sentido, as eleições foram históricas. Pela primeira vez, uma mulher indígena chegou ao Congresso. Com ela, a primeira negra eleita por um Estado majoritari­amente republican­o, Massachuse­tts. Duas mulheres muçulmanas também farão parte da nova composição do Poder Legislativ­o americano.

A vitória dos democratas não foi suficiente para minar em definitivo a chance de reeleição de Donald Trump em 2020. Entretanto, o presidente governará com importante contrapode­r no Capitólio. Não por acaso, um dos pilares da maior democracia ocidental.

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