O Estado de S. Paulo

A versátil Marieta Severo

Marieta Severo fala do novo filme, ‘A Voz do Silêncio’, e de como prepara suas personagen­s

- Luiz Carlos Merten

Após viver vilã na TV, a atriz está no filme A Voz do Silêncio.

Grande atriz multimídia – de teatro, cinema e TV –, você pode pensar que, justamente por isso, Marieta Severo prescinde de preparação. Basta ler o roteiro do filme, da novela, da peça, para saber o que fazer. “Mas de onde você tirou isso?”, Marieta finge indignação, ao conversar com o repórter no restaurant­e da Reserva Cultural. O tema é a estreia na quinta, 22, do longa de André Ristum, A Voz do Silêncio, em que ela está – como sempre – magnífica, mas também poderia ser o filme que roda no Rio, a preocupaçã­o com o salto no escuro que o Brasil está dando com o novo governo, etc. Motivos para preocupaçã­o não faltam, mas Marieta não desanima. É o lado ‘Dona Nenê’ – sua personagem no seriado A Grande Família – da estrela. “Dificuldad­e faz parte. A gente enfrenta, supera, não se rende.”

É interessan­te parar um pouco, e retroceder. Marieta ainda precisa se preparar para um papel? “Claro! É a parte que mais gosto. Estou sempre aprendendo com minhas personagen­s.” A Maria Cláudia de A Voz

do Silêncio leva uma vida solitária, idealizand­o o filho que caiu no mundo e brigando com a filha que está ali ao lado. Maria Cláudia não bate bem. “Para entender o isolamento e o sofrimento de uma mulher, fui à fonte da dra. Nise da Silveira. Li nos seus escritos, revi os filmes de Leon Hirszman, A Trilogia

do Inconscien­te.” É assim que ela se prepara – “O roteiro

(do próprio André Ristum) é muito bem escrito, mas eu precisava mais. Queria entender por que ela é assim e como a repressão a paralisou. Maria Cláudia é uma personagem muito triste. Não vou dizer que tive prazer em interpretá-la, mas é sempre bom entender o outro, principalm­ente quando é tão diferente de nós. Não sou Maria Cláudia, ela é muito diferente de mim, mas foi interessan­te tentar penetrar na sua cabeça, para ver como funciona.”

É assim que Marieta Severo funciona como atriz, tentando entender suas personagen­s, para melhor expressá-las – no teatro, cinema e TV. Justamente, a televisão. Contratada da Globo, sua personagem mais recente foi a vilã Sophia da novela O Outro Lado do Paraíso.

Ela não está nem um pouco aflita para voltar à telinha – “Gosto de dar um tempo, que me esqueçam”, diz. Isso não significa que esteja parada. Agora mesmo, roda um filme na Ilha de Paquetá, no Rio.

Veio a São Paulo numa pausa de filmagem. Esse outro longa, com roteiro e direção de Zeca Ferreira, chama-se Noites de Alface. Ferreira é um premiado diretor de curtas e documentar­ista. Foi assistente de Nelson Pereira dos Santos (Raízes do Brasil), Hugo Carvana (Casa da Mãe Joana) e Miguel Faria Jr. (Chico, Artista

Brasileiro). O filme inspira-se no romance homônimo da escritora paulistana Vanessa Barbara. Mostra a solidão de Otto (Everaldo Pontes), após a morte da mulher, Ada – a personagem de Marieta. O roteiro é permeado de humor e pitadas de suspense.

Dublê de escritora e jornalista, Barbara ganhou o Jabuti de reportagem por O Livro

Amarelo do Terminal, sobre o cotidiano na Rodoviária do Tietê. Vieram depois os romances, sua HQ (A Máquina

de Goldberg, com ilustraçõe­s de Fido Nesti), etc. Marieta está impression­ante como Ada – grisalha, acabada. Ela também filmou com a atriz, nesse caso diretora, Maria de Medeiros e Zé de Abreu, Aos

Nossos Filhos. O roteiro baseado na peça de Laura Castro sobre o conflito de gerações, homossexua­lidade e novas conformaçõ­es familiares. Mãe que foi guerrilhei­ra tem de lidar com a revelação da filha de que vai ter um filho com a companheir­a. “Fiz minha lição de casa, pesquisei muito sobre os anos de chumbo, a guerrilha, a repressão do regime militar. Vivi tudo isso como mulher do Chico (Buarque de Holanda), que estava sempre na mira da ditadura. Mas era uma coisa meio irreal, eu era muito jovem. Me colocar agora na pele dessa mulher me deu outra visão e o que pesquisei foi muito revelador.”

Marieta anda muito preocupada com os rumos da cultura no País. “Estão tentando nos criminaliz­ar (a classe artística), mas eu sei bem por que isso ocorre. Porque somos críticos, incômodos, dizemos o que muita gente não quer ouvir.” E ela conta – “Possuímos dois teatros no Rio, o Poeira e o Poeirinha, Andréa Beltrão e eu. Não somos empresária­s pelo prazer de programar, para ganhar dinheiro. Pode parecer estranho para quem só pensa em poder e dinheiro, mas tem muito de entrega, de militância nisso. Temos uma série de programas – de artistas convidados, etc. Andréa e eu operamos no vermelho. Tem coisas para as quais não temos patrocínio, mas a gente põe dinheiro porque acredita. No teatro, no Brasil, no público. As coisas estão esquisitas, mas é uma fase. Vai passar.”

Dificuldad­e faz parte da vida de todo mundo. A gente enfrenta, não se rende. E com fé supera”

“Tentam criminaliz­ar a classe artística, mas Andréa (Beltrão) e eu colocamos dinheiro no nosso teatro”

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO Marieta. Em São Paulo: amor pelo teatro e por esse Brasil que sofre

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