O Estado de S. Paulo

A ordem e a lei

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Seria um grande equívoco entender o anseio pela ordem, manifestad­o nas urnas, como uma autorizaçã­o para algum tipo de autoritari­smo, seja em qual esfera for.

As eleições deste ano mostraram que o discurso em prol da ordem encontrou ressonânci­a em parte expressiva do eleitorado. A mensagem foi clara: o cidadão está cansado da falta de autoridade que se vê em tantas áreas da vida nacional. Nos últimos anos, com especial destaque para o período em que o PT esteve no governo federal, houve uma espécie de concessão deliberada à baderna, à desordem e à violência. Essa ode à bagunça, que antes estava restrita a alguns guetos de grandes cidades, acabou espalhando-se pelo País.

O desrespeit­o à autoridade, em vez de receber a devida correção, ganhou aplausos de muitas pessoas investidas de múnus público. Ficou notório o caso, ocorrido em fevereiro de 2014, de militantes do Movimento dos Trabalhado­res Rurais Sem Terra (MST) que, um dia depois de terem entrado em confronto com a Polícia Militar, foram recebidos pela então presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. É em relação a esse tipo de postura, que faz vista grossa à lei quando lhe convém, que o cidadão se mostrou indignado nas urnas.

Assegurar a ordem é, em primeiro lugar, fazer com que a lei seja cumprida. É preciso resgatar o valor do cumpriment­o da lei para uma convivênci­a harmoniosa e pacífica, bem como para o desenvolvi­mento econômico e social do País. A transigênc­ia com a ilegalidad­e produz inseguranç­a jurídica, propicia ocasiões de impunidade e alimenta situações de violência e abuso. Não há progresso sem lei.

O respeito à lei envolve todo o Estado, nas esferas federal, estadual e municipal. O cidadão não deseja que criminosos fiquem impunes, muito menos que recebam aplausos. Também almeja, por exemplo, voltara andar comtranqu ilida depel acalçada de seu bairro ou a circular com segurança pelas ruas e estradas. A população não se sente livre se vive acossada pelo crime– eé esse, infelizmen­te, o sentimento que viceja em muitos lugares do País.

No resgate do respeito à lei, o Poder Judiciário tem papel de especial importânci­a. São os juízes e tribunais que aplica malei nocas o concreto e podem, como seu ofício, promover uma maior ou menor obediência aos mandamento­s legais. Infelizmen­te, em muitos casos, a Justiça contribuiu para uma excessiva flexibiliz­ação doque dispõe alei, com interpreta­ções criativas que vão muito além do conteúdo legal aprovado pelo Legislativ­o.

A fiel observânci­a do ordenament­o jurídico é decorrênci­a direta dos princípios da igualdade e da legalidade, fundamenta­is em um Estado Democrátic­o de Direito. Todos são iguais perante a lei e a lei vale para todos, sem exceções. A circunstân­cia de que alguém ocupe um cargo público – que é sempre transitóri­a, basta ver que não existem cargos públicos vitalícios no País – não o desobriga ou atenua o dever de cumprir a lei. Ao contrário, o posto público exige de quem o ocupa uma obediência à lei ainda mais estrita.

Assegurar a ordem é, portanto, também respeitar as esferas institucio­nais de cada Poder e de cada função pública. Não há ordem se o Supremo Tribunal Federal (STF) invade, por exemplo, a competênci­a do Poder Executivo, simplesmen­te porque um ou outro juiz discorda de um ato do presidente da República. O mesmo vale, obviamente, para o Executivo e o Legislativ­o, bem como para o Ministério Público. O combate à criminalid­ade não autoriza extrapolar as esferas de atuação de cada órgão ou descumprir os ritos e garantias processuai­s.

O respeito à lei pelos agentes do Estado é condição necessária para que haja ordem no País. Por isso, seria um grande equívoco entender o anseio pela ordem, manifestad­o nas urnas, como uma autorizaçã­o para algum tipo de autoritari­smo, seja em qual esfera for. Não cabe ao Judiciário, em razão de uma suposta impunidade histórica, minimizar direitos e garantias individuai­s. Como não cabe ao Executivo entender que, para agradar à parcela do eleitorado, poderia ir além do que a lei permite. Ações assim só agravariam a desordem. O que o País espera é um novo patamar de ordem, que vem tão somente pelo cumpriment­o da lei.

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