O Estado de S. Paulo

Gorjeta de 13% ainda gera dúvidas em SP

Alguns pagam quando aprovam serviço, outros acham porcentual alto. Dois anos e meio após mudança, há também quem não percebeu a alteração. Segundo associação do setor, menos da metade dos estabeleci­mentos sugere mais de 10%

- Bruno Ribeiro

Almoçar ou jantar fora diariament­e faz parte da rotina do arquiteto Michel Safatle, de 34 anos. Quando chega a conta, ele não tem dúvida: se o serviço foi bom, deixa 13% de gorjeta. Já a coordenado­ra de comunicaçã­o Milena Lacerda, de 32, acha a prática abusiva. Para ela, os restaurant­es estão caros e, por isso, 10% é mais do que justo.

Regulament­ada em São Paulo em maio de 2016, a cobrança de 13% sobre o valor da conta em bares e restaurant­es divide os paulistano­s – e ainda surpreende clientes. “13%? Nunca reparei. Talvez já tenha até pago”, contou a terapeuta ocupaciona­l Andrea Lima, de 50 anos.

Muitos não notaram a mudança porque nem todos os estabeleci­mentos adotaram o novo porcentual. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurant­es (Abrasel), Percival Maricato, “menos da metade” dos bares e restaurant­es da cidade sugerem atualmente a gorjeta de 13%.

O aumento foi regulament­ado para tentar adequar uma mudança trabalhist­a da vida dos garçons. Em 2016, os comerciant­es passaram a ter de lançar no holerite do pessoal que atende as mesas a renda vinda com as gorjetas. O porcentual é uma sugestão – o cliente pode pagar a taxa de serviço que quiser e, até mesmo, não pagá-la.

“A concorrênc­ia é muito forte. Só aqueles locais que sabem que prestam um serviço diferencia­do passaram a adotar os 13%. É uma decisão de cada restaurant­e, mas a maioria ainda sugere os 10%”, afirma. Maricato diz que, embora as mudanças nas regras trabalhist­as tenham criado mais custos, parte do mercado preferiu absorvê-los.

Segundo Rubens Fernandes da Silva, secretário-geral do Sinthoresp (sindicato que representa trabalhado­res de bares, restaurant­es e hotéis), antes o funcionári­o ganhava, por exemplo, R$ 1,5 mil na carteira de trabalho, mas, com as gorjetas, seus ganhos chegavam a R$ 5 mil. Na hora de se aposentar, no entanto, sua renda ficava nos R$ 1,5 mil, mais baixa do que ele recebia de fato. Com o novo valor em folha, diz Silva, muitas pessoas passaram a recolher mais impostos e a renda final caiu. “A saída foi permitir o aumento da sugestão de gorjeta.”

Na saída de um restaurant­e no centro de São Paulo, enquanto a gestora ambiental Sophia Picarelli, de 34 anos, nem sabia quanto tinha deixado para os garçons, a administra­dora Danny Riviani, de 35, que a acompanhav­a, tinha o porcentual na cabeça: 13%. Danny pagou, apesar da frustração com a refeição. Fã de quiabo, ela escolheu um prato com o ingredient­e. No entanto, recebeu a massa com menos legume do que queria. “Mas eles me atenderam super bem, não iria deixar de pagar a gorjeta”, contou, aos risos.

Para o engenheiro Sérgio Sertori, de 63 anos, o fato de o estabeleci­mento sugerir 10% ou 13% de taxa de serviço não influencia sua escolha. Para ele, a questão é outra. “Minha dúvida é se esse dinheiro vai mesmo para o garçom”, questiona.

Regras. Famoso garçom de um bar na Vila Madalena, zona oeste, Joaquim Alves Ferreira, de 49 anos, há 18 servindo porções e chopes gelados, destaca um problema com as novas regras. Segundo ele, existem bares que fazem uma média do último ano para pagar a comissão. “Recolhemos um imposto sobre algo que o cliente não tem obrigação de pagar. Pode ser que a gente pague em um mês e, no mês seguinte, receba menos gorjetas.”

Ferreira diz que é raro os clientes não pagarem. No bar onde ele trabalha, a taxa sugerida é de 12%. “Quando o cliente diz que não vai pagar, perguntamo­s se houve problema no atendiment­o. Às vezes a pessoa fala que estava muito caro, que está sem dinheiro e, quando volta, paga a gorjeta”, diz. O oposto também é raro. “Pouca gente deixa mais do que o sugerido. Tem uns que arredondam para cima, deixam R$ 10 para o pessoal dividir.”

Quem aposta no repasse, entretanto, confia no próprio taco e na fidelidade da clientela. “Se o serviço é bem feito, não me importo de pagar. Só não pagaria a gorjeta sugerida se o serviço fosse muito ruim, e não me lembro de isso ter acontecido”, diz a estilista Ana Paula Carneiro, de 28 anos. “Não é um dinheiro que vai pesar, ainda mais porque vai para o garçom.”

Os dois representa­ntes sindicais ouvidos pelo Estado citaram alguns restaurant­es que sugerem os 13%. Procurados, eles não quiseram se manifestar. Entre os citados está a franquia de restaurant­es Outback, tida por ambos como “exemplo”, por deixar para o cliente a decisão de quanto deixar de gorjeta. Ali, quando a conta chega, há opções de 10%, 11%, 12% ou 13%.

A psiquiatra Pilar Lecussan Gutierrez, de 60 anos, porém, prefere que o porcentual venha apontado. “Não gosto de ter de decidir. Prefiro que já venha na conta e eu simplesmen­te pague.”

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NILTON FUKUDA/ESTADÃO Aval. A estilista Ana Paula Carneiro, de 28 anos, paga os 13% quando o serviço é bom: ‘Não é um dinheiro que vai pesar’

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