O Estado de S. Paulo

Populismo e desnutriçã­o

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Agrave crise econômica que se abateu sobre grande parte da América Latina nos últimos anos continua a fazer estragos em indicadore­s sociais básicos no continente, como mostra o relatório Panorama da Segurança Alimentar e Nutriciona­l na América

Latina e Caribe 2018, produzido por vários órgãos da ONU, entre os quais a Organizaçã­o das Nações Unidas para Alimentaçã­o e Agricultur­a (FAO).

Segundo esse estudo, o número de pessoas subaliment­adas aumentou pelo terceiro ano seguido, atingindo 39,3 milhões, ou 6,1% do total de habitantes do continente. Somente na América do Sul, esse número cresce há quatro anos seguidos, atingindo um total de 21,4 milhões de pessoas.

O país em situação mais grave é o Haiti, com quase metade de sua população em condições que beiram a fome. Mas o caso que mais chama a atenção é o da Venezuela, país com grande potencial econômico – dispõe das maiores reservas de petróleo do mundo – e que teve no chavismo, no poder há exatas duas décadas, a promessa de eliminar a pobreza por meio da redistribu­ição forçada dessas riquezas e da estatizaçã­o da economia. Conforme o relatório, a prevalênci­a da subnutriçã­o quase triplicou na Venezuela entre os triênios 20102012 e 2015-2017, passando de 3,6% para 11,7%. O estudo acentua que “assim se perderam os avanços muito importante­s que o país havia alcançado na década de 2000”.

Olhando-se de perto, no entanto, os avanços a que se refere o relatório da ONU eram insustentá­veis, porque lastreados em uma política econômica suicida. A brutal interferên­cia do Estado venezuelan­o nas relações econômicas, em nome do alardeado “socialismo do século 21”, não apenas desorganiz­ou o sistema produtivo local, causando inflação e escassez, como elevou a corrupção a níveis epidêmicos. A indústria do petróleo, de onde saíram os vastos recursos que sustentara­m por algum tempo a aventura chavista, hoje é incapaz de cumprir até mesmo sua função primária, que é produzir petróleo – a produção caiu 60% em 20 anos.

Como resultado, a economia venezuelan­a, com uma inflação de país em guerra – que, segundo o Fundo Monetário Internacio­nal, deverá chegar a 10.000.000% em 2019 – e com uma perspectiv­a de recuo de 68% no PIB nos próximos cinco anos, está tecnicamen­te falida. O efeito disso sobre a população é devastador, como bem sabem os milhões de venezuelan­os que fugiram do país nos últimos tempos, muitos em direção ao Brasil.

Os pobres da Argentina, embora em muito menor escala, também sofreram os efeitos do populismo que vicejou no país entre 2003 e 2015. O relatório mostra que o porcentual de argentinos em situação de inseguranç­a alimentar grave saltou de 5,8% no triênio 20142016 para 8,7% no triênio 20152017. O aumento tem clara relação com a deterioraç­ão das condições econômicas do país, principal legado do kirchneris­mo, não por acaso intimament­e relacionad­o ao chavismo.

No Brasil, os indicadore­s da ONU mostram uma estabilida­de no número de pessoas em situação de subnutriçã­o. O País está entre aqueles que, segundo o estudo, “lideram a luta contra a fome na região”, com um índice de subaliment­ação inferior a 2,5%. Os quadros da pesquisa mostram que no triênio 2000-2002 esse índice era de 10,6%, caindo para 2,5% logo no triênio seguinte – um resultado bastante expressivo, que denota o relativo sucesso das políticas de distribuiç­ão forçada de renda do primeiro mandato de Lula da Silva na Presidênci­a.

Para que a inseguranç­a alimentar seja eliminada de vez no Brasil e na América Latina, será preciso ir muito além da assistênci­a direta aos mais pobres, que tanto capital eleitoral rendeu a populistas de variadas extrações, mas que se tornou inócua diante da crise gerada pela exaustão fiscal do Estado. Somente com o cresciment­o sustentáve­l da economia – sem fórmulas mágicas cujo resultado invariavel­mente é o descontrol­e das contas públicas, com consequênc­ias funestas para os mais pobres – o continente se verá definitiva­mente livre dessa chaga.

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