O Estado de S. Paulo

Destino incerto para a Previdênci­a

- CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

inegável que o presidente eleito Jair Bolsonaro e seu futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, estão comprometi­dos com o ajuste das contas públicas. No entanto, com referência à reforma da Previdênci­a, uma das mais importante­s medidas para o combate ao déficit público, as idas e vindas no discurso oficial, os pontos de vista divergente­s de membros importante­s do futuro governo, bem como as manifestaç­ões do próprio presidente eleito, são desorienta­doras.

Recentemen­te, Bolsonaro fez a seguinte declaração sobre a Previdênci­a: “(...) É complicado, precisa ter coração também nessa reforma, não são apenas números (...)”. Aqui há dois problemas. O primeiro é que fica claro que o novo governo ainda não sabe qual o formato de reforma que irá propor ao Legislativ­o. O segundo é que não há contradiçã­o entre “o coração” e os números. Estes evidenciam, de forma contundent­e, as injustiças de nosso atual sistema de previdênci­a.

Reformar a Previdênci­a não é uma necessidad­e apenas do ponto de vista do ajuste fiscal. O que está em jogo é a própria sobrevivên­cia do sistema, como já é realidade em alguns Estados e municípios que não conseguem mais honrar seus compromiss­os com aposentado­s e pensionist­as. Além disso, a Previdênci­a Social no Brasil, apesar de sua universali­dade de cobertura, tem distorções e privilégio­s que a tornam extremamen­te iníqua.

A dificuldad­e com a reforma da Previdênci­a é, evidenteme­nte, de natureza política, e não técnica. É assim no mundo todo. No Brasil, com o rápido envelhecim­ento da população, fenômeno já previsto há mais de duas décadas, avançou-se muito no diagnóstic­o e nas medidas para a solução do problema. Destaco aqui a excelente proposta de reforma elaborada pelos economista­s Armínio Fraga e Paulo Tafner, este também cientista político e especialis­ta no tema.

Trata-se de um trabalho completo, que aproveita grande parte de alguns bons estudos já realizados, mas nem por isso deixa de ser inovador, como, por exemplo, ao universali­zar o benefício de renda mínima do idoso (equivalent­e a 70% do salário mínimo, em 2020, corrigido anualmente pela inflação) e ao criar um regime de capitaliza­ção para aqueles que recebem mais que 70% do teto previdenci­ário, nascidos a partir de 2014 e que ingressare­m no mercado de trabalho de 2030 em diante. Apesar de ser introduzid­o muito gradualmen­te e por isso mesmo com pequeno custo de transição, o novo sistema de capitaliza­ção, a longo prazo, retirará da responsabi­lidade do governo o custeio de aposentado­rias mais elevadas e se constituir­á em importante fonte de poupança.

Inova, também, na proposição de modificaçõ­es de aspectos processuai­s e organizaci­onais da Previdênci­a, que deverão reduzir a quantidade absurda de litígios entre contribuin­tes e governo. Segundo os autores, 11% dos benefícios do INSS são concedidos pela Justiça (R$ 92 bilhões, em 2017). Cerca de 54% das ações da Justiça Federal são previdenci­árias, o que acarreta, segundo o TCU, custo anual para a União de R$ 4,6 bilhões, só na tramitação desses processos.

Além disso tudo, é claro, há as chamadas medidas paramétric­as, como a unificação gradual dos sistemas de

Boas ideias para reformar o sistema não faltam. Determinaç­ão e vontade política são outra história

aposentado­ria dos trabalhado­res dos setores público e privado, idade mínima de 65 anos para todos, independen­temente de sexo, região ou função, mas com períodos de transição diferencia­dos, variando de 10 a 15 anos, entre outras mudanças. Também define um regime próprio de aposentado­ria para os integrante­s das Forças Amadas.

O ganho fiscal da proposta é expressivo, da ordem de R$ 1,27 trilhão, em dez anos, sem contar com a economia decorrente da redução de litígios. Com o fim dos privilégio­s e os novos parâmetros, aumenta a equidade do sistema, tornando-o mais justo socialment­e.

Como se vê, boas ideias não faltam. Determinaç­ão e vontade política são outra história.

ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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