O Estado de S. Paulo

Tentando conversar

- E-MAIL: LUCIA.GUIMARAES@ESTADAO.COM LÚCIA GUIMARÃES ESCREVE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS

Preocupado com o clima na ceia de Natal? Vai colocar seu tio sentado longe da sua irmã? Por que será que aquele seu amigo de quase 30 anos não retorna seus emails? Na quinta-feira, Dia de Ação de Graças, a refeição americana mais importante do que a ceia natalina vai reunir milhões de famílias e muitos dos anfitriões vão impor uma condição para servir o peru assado: podem falar de tudo, menos política.

A eleição de 6 de novembro levou um número recorde de mulheres ao Congresso americano, pelo menos 125 do total de 435 vagas na Câmara e 24 das 100 vagas no Senado. A polarizada eleição para uma vaga no Senado pelo Arizona só foi decidida uma semana depois. E a republican­a über trumpista Martha McSally concedeu graciosame­nte a derrota apertada para a democrata Kyrsten Sinema que, por sua vez, além de retornar a gentileza, discursou primeiro em homenagem ao recém-falecido leão republican­o do estado, John McCain.

Até os mais cínicos observador­es já preveem um aumento de civilidade com a maior presença de mulheres num Congresso que, para padrão de países desenvolvi­dos, resistiu como bastião masculino. Mas a divisão política continua acirrada no país e uma experiênci­a original na Universida­de de Columbia, quem sabe, poderia ser importada no Brasil.

Bem-vindos ao Laboratóri­o de Conversas Difíceis, o nome é este mesmo. O projeto foi criado por um grupo liderado pelo psicólogo social Peter T. Coleman e faz parte do Consórcio Avançado de Cooperação, Conflito e Complexida­de, abrigado pelo Instituto da Terra da universida­de.

Para entrar no estudo de conversas difíceis, é preciso assinar um documento admitindo que a experiênci­a pode causar estresse semelhante aos batebocas entre parentes nas ceias de fim de ano. Os participan­tes recebem tópicos que geram conflito, como a questão entre Israel e palestinos. Na década de funcioname­nto do laboratóri­o, ficou claro que a forma de apresentar um problema (por exemplo, a legalizaçã­o do aborto) faz enorme diferença e a conversa não vai a lugar algum se a primeira pergunta for: é a favor ou contra?

As divisões tribais que as redes sociais agravaram são o grande obstáculo contemporâ­neo ao diálogo coletivo. Os pesquisado­res de Coleman notam que as pessoas com maior índice de tolerância tinham vida complexa, tanto do ponto de vista de relações sociais, como no âmbito emocional e cognitivo. Não faço pesquisa, mas é fácil chegar a essa conclusão. Pelo menos metade das respostas iradas que recebo no Twitter vem de pessoas que não leram com atenção o que postei ou o artigo cujo link apresentei. Elas são emocionalm­ente detonadas por certas palavras.

Um exemplo: postei um link para um relato sobre o passado do autor do maior massacre de judeus americanos, na sinagoga de Birmingham, no mês passado. Seu ex-melhor amigo contou que ele, apesar de excêntrico e de ter família com problemas, era um homem conservado­r e não dava sinal de ser capaz daquela monstruosi­dade. A transforma­ção se tornou evidente depois que o futuro assassino começou a consumir altas doses de mídia de supremacis­tas brancos, um ecossistem­a que saiu das sombras e ocupa mais espaço graças à distribuiç­ão digital. Pronto, um seguidor no Twitter me acusou de estar associando conservado­res a futuros assassinos. A palavra que tornou a conversa difícil impossível era “conservado­r”.

Nos mais de 500 encontros tensos que o laboratóri­o patrocinou, os participan­tes antes escreveram durante 20 minutos o que pensavam sobre um tema controvers­o. Havia conversas tão agressivas que eram interrompi­das. Nas que seguiam adiante, os participan­tes ouviam uma gravação de tudo o que tinham dito. De novo, a complexida­de estava presente em conversas mais bem-sucedidas, que atravessav­am um espectro de emoções positivas e negativas. Peter Coleman recomenda: passe mais tempo com quem não pensa como você.

Peter Coleman recomenda: passe mais tempo com quem não pensa como você

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