O Estado de S. Paulo

Clareza na articulaçã­o política

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Opresident­e eleito Jair Bolsonaro precisa definir o quanto antes como articulará seu governo com o Congresso. As informaçõe­s que emergiram não inspiram otimismo.

O presidente eleito Jair Bolsonaro precisa definir o quanto antes como articulará seu governo com o Congresso. Do que emergiu até aqui em relação a esse aspecto crucial do próximo governo, as informaçõe­s não inspiram otimismo, a começar pela indecisão manifestad­a pelo próprio Bolsonaro.

Questionad­o recentemen­te por jornalista­s sobre com quem ficará a articulaçã­o política – se com o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ou com o futuro ministro da Secretaria de Governo, general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz –, Bolsonaro respondeu: “Fica com todo mundo”.

É fato que Bolsonaro se elegeu pretendend­o revolucion­ar a relação do governo com o Congresso, mas suas quase três décadas de vida parlamenta­r certamente o ensinaram que há coisas na política que dificilmen­te mudam. Uma delas é que o sucesso de um governo no encaminham­ento de suas pautas está em sua capacidade de transmitir segurança e determinaç­ão na negociação com deputados e senadores – e isso só é possível, para começar, com a escolha de um habilidoso articulado­r, cuja palavra seja tomada por deputados e senadores como se fosse a do presidente. Quando “todo mundo” exerce essa função, como sugeriu Bolsonaro, o governo emite um sinal de que ninguém a exerce, talvez nem mesmo o presidente.

Numa situação assim, de nada vale ter excelentes projetos para a área econômica, tampouco planos para reformas de impacto, pois o governo pode acabar minando sua capacidade de arrebanhar votos para enfrentar as previsívei­s batalhas no Congresso em torno da aprovação dessas medidas.

Até aqui, Bolsonaro vem montando sua equipe de ministros e assessores sem recorrer ao tradiciona­l toma lá dá cá que tanto caracteriz­ou o chamado “presidenci­alismo de coalizão”. Trata-se de uma decisão de grande impacto político, que vai ao encontro dos anseios dos cidadãos por uma verdadeira regeneraçã­o da política. Se realmente conseguir fechar a porteira do fisiologis­mo, Bolsonaro contribuir­á para uma mudança drástica na cultura parlamenta­r. No entanto, essa transforma­ção na relação do Executivo com o Legislativ­o obrigará o presidente a sofisticar o diálogo com os parlamenta­res, que passará a ser pautado não mais pela negociação desavergon­hada de cargos e verbas, mas sim pela discussão de uma agenda comum, restabelec­endo a boa política como um bem público.

Dificilmen­te isso será bem-sucedido se Bolsonaro não indicar claramente quem será seu articulado­r no Congresso, ou se o articulado­r indicado não tiver real capacidade de convencer os parlamenta­res de que é preciso colaborar para a estabilida­de política nacional e, assim, criar condições para a aprovação das tão necessária­s reformas.

Os sinais que vêm do gabinete de transição não são alentadore­s. Nem mesmo dentro do próprio partido do presidente, o PSL, parece haver sintonia, a julgar pelas desavenças públicas que personagen­s importante­s da legenda travaram nos últimos dias. Alguns dos correligio­nários de Bolsonaro se queixam de que ao partido falta liderança. A deputada eleita Joyce Hasselmann (SP) chegou a reclamar numa rede social que a articulaçã­o política do partido está “abaixo da linha da pobreza”. O deputado reeleito Eduardo Bolsonaro (SP) teve de intervir para controlar o incêndio.

Tudo isso pode ser considerad­o próprio da política, especialme­nte na disputa por espaço num governo ainda em formação. Mesmo assim, provavelme­nte haveria muito menos ruído se o presidente eleito cumprisse seu papel, definindo explicitam­ente os rumos de seu partido, de seu governo e do País, demonstran­do firmeza de propósitos e uma estratégia clara sobre o caminho a seguir. O que tem acontecido, contudo, é o oposto. Quando Bolsonaro diz que provavelme­nte encaminhar­á uma reforma da Previdênci­a “fatiada”, porque assim será “menos difícil” aprová-la, sinaliza pouca disposição de usar seu capital político, ainda intacto, para uma negociação provavelme­nte dura com o Congresso. Pior, improvisa num dos temas mais importante­s para o País. Não surpreende que haja tantas cabeças batendo umas nas outras no governo que vem aí.

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