O Estado de S. Paulo

Guerra comercial e hegemonia

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA DA GENIAL INVESTIMEN­TOS

Ocomunicad­o emitido após o encerramen­to da reunião do G-20 em Buenos Aires, no dia 1.º de dezembro, e o teor da nota para a imprensa divulgada pela Casa Branca após o jantar entre os presidente­s Donald Trump e Xi Jinping sugerem que a reunião foi bastante produtiva e o jantar entre os dois presidente­s, ainda que não decisivo, foi um passo importante no sentido de resolver as pendências entre os Estados Unidos e a China.

No comunicado de encerramen­to da reunião das 20 nações mais desenvolvi­das do planeta, duas coisas ficaram claras. De um lado, a importânci­a dada por estes países à questão das mudanças climáticas, ao declararem que o Acordo de Paris é irreversív­el. Ainda que tenha sido explicitad­a a saída dos Estados Unidos do acordo, o país se dispôs a colocar sua assinatura no documento, o que indica um ganho diplomátic­o significat­ivo.

De outro lado, ao mesmo tempo que afirmam a importânci­a do sistema multilater­al de comércio, os países do G-20 apoiaram explicitam­ente uma reforma da Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC), uma demanda antiga do presidente Trump. Nos dois casos, em “linguagem diplomátic­a”, o não veto significa muita coisa.

A trégua de 90 dias dada pelos Estados Unidos para o não aumento das tarifas de importação de 10% para 25% sobre US$ 200 bilhões de produtos exportados pela China sugere que algo importante foi negociado em troca. A promessa da China de aumentar as importaçõe­s de produtos norte-americanos – sem especifica­r quais e quanto – não parece suficiente para justificar o adiamento da adoção das tarifas. Afinal, a imposição de tarifas sobre as importaçõe­s chinesas é a principal arma utilizada pelo governo de Donald Trump com o objetivo de mudar o comportame­nto do governo chinês em questões estruturai­s importante­s, que ultrapassa­m a questão comercial.

O que surpreende no comunicado emitido após o jantar dos presidente­s na Argentina é a menção explícita a estes conflitos entre os dois países e a indicação de que a resolução da guerra comercial está diretament­e relacionad­a à solução dessas pendências.

Ainda que não tenha sido explicitad­o como uma contrapart­ida, ao declarar que os dois presidente­s “concordara­m em iniciar, imediatame­nte, negociaçõe­s sobre mudanças estruturai­s com respeito à transferên­cia forçada de tecnologia, proteção à propriedad­e intelectua­l, barreiras não tarifárias, ataques e roubos cibernétic­os, serviços e agricultur­a”, e que o presidente Xi Jinping “disse estar aberto a aprovar a previament­e vetada compra da NXP pela Qualcomm, caso o negócio seja novamente apresentad­o a ele” (em tradução livre), o comunicado sugere serem estas as reais contrapart­idas discutidas e que somente não foram colocadas explicitam­ente como tal em razão das possíveis resistênci­as políticas que Pequim precisa contornar internamen­te nos próximos três meses.

A trégua de 90 dias dada pelos EUA à China sugere que algo importante foi negociado em Buenos Aires

A não menção destes pontos na nota divulgada pelo governo chinês, a meu ver, reforça essa interpreta­ção.

A guerra comercial declarada pelos Estados Unidos contra a China não é um objetivo em si. Além de ter objetivos eleitorais óbvios, esta guerra é, na verdade, a principal arma utilizada pelos Estados Unidos para resolver um problema mais sério e mais estrutural: a disputa por hegemonia econômica e política no mundo. E essa disputa está diretament­e relacionad­a ao respeito a direitos de propriedad­e intelectua­l, transferên­cia forçada de tecnologia, etc. Ligar as duas coisas em um comunicado é, a meu ver, um indício concreto de que elas foram tratadas em conjunto, como tem insistido o governo norte-americano.

Se essa interpreta­ção está correta – e só saberemos daqui a 90 dias –, terá sido uma importante vitória do governo Trump.

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