João de Deus reaparece e se diz inocente; MP pede prisão
Investigação. Até ontem, 258 mulheres em todo o País haviam procurado o Ministério Público para denunciar supostos abusos; abatido, médium ressurgiu em centro de atendimento, mas ficou só poucos minutos; advogado afirma que detenção é descabida
A Promotoria de Goiás pediu ontem a prisão preventiva de João Teixeira de Faria, o João de Deus. Até agora, 258 mulheres procuraram o Ministério Público em todo o País para denunciar abusos sexuais que teriam sido cometidos pelo líder espiritual. Horas antes, João de Deus reapareceu no centro onde atende, em Abadiânia (GO), se disse inocente e afirmou que está à disposição da Justiça.
Horas depois de reaparecer e se dizer inocente em relação às denúncias de abuso sexual, João Teixeira de Faria, o líder espiritual João de Deus, teve a prisão preventiva solicitada pela Promotoria de Justiça de Goiás. A medida foi tomada cinco dias depois da divulgação dos primeiros relatos de mulheres que dizem ter sido agredidas pelo médium, que atrai mensalmente cerca de 10 mil fiéis – 40% estrangeiros – para Abadiânia (GO).
Até ontem, 258 mulheres em todo o País haviam procurado o Ministério Público para denunciar supostos abusos. A revelação de casos ganhou força depois da divulgação pela TV Globo de depoimentos a respeito, no programa Conversa com Bial. Os relatos são muito semelhantes: seja na forma como o médium teria atraído as vítimas, seja nas formas de abuso.
O advogado de João de Deus, Alberto Zacharias Toron, afirmou no início da noite que ainda não havia sido oficialmente informado sobre o pedido de prisão, que chamou de descabido. “Ele já havia se colocado à disposição da Justiça, estava trabalhando, não havia motivo.” E informou que, assim que for notificado oficialmente, tomará providências. “O primeiro passo é identificar quais os fundamentos do pedido.”
O gerenciador de crise Mário Rosa foi chamado para auxiliar João de Deus. Horas antes de se tornar público o pedido de prisão, Rosa ponderava que todo o processo deveria respeitar um “marco de objetividade”, com condução cautelosa para se evitar julgamento apressado. Pela descrição de Rosa, desde que os depoimentos das mulheres se tornaram públicos, o líder espiritual alterna momentos de choro e angústia com calma.
Ao voltar a Abadiânia ontem, João de Deus estava visivelmente abatido. Trajando uma camiseta branca e calça jeans, ficou menos de 10 minutos na Casa Dom Inácio de Loyola, onde atende os fiéis.
Cercado por funcionários da casa e voluntários, ele não falou com a imprensa. Fez um pronunciamento rápido para poucos fiéis, disse ser inocente e estar a disposição da Justiça. “João de Deus está vivo”. A rápida visita foi marcada por tumulto, gritaria e aplausos. Fiéis, ao ver o líder espiritual reaparecendo na Casa, aplaudiram. Funcionários, por sua vez, tentavam impedir que João de Deus parasse para conversar com jornalistas. Houve empurra-empurra.
O centro ficou bem mais vazio do que de costume. Ali estavam reunidas cerca de 400 pessoas, um terço do movimento habitual. Francisco Lobo, um dos funcionários da Casa destacou caravanas de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas e alegou o impacto da proximidade das festas. “Nesta época, tradicionalmente o movimento cai.”
Mas apesar do movimento menor, funcionários e voluntários começaram a chegar à Dom Inácio de Loyola mais cedo do que o costume. “Sabíamos que seríamos necessários aqui. Ele sempre esteve presente com seu amor, agora estamos prontos para defendê-lo”, disse Jacilda Soares, que desde 1985 frequenta a Casa e se dedica a organizar as filas de atendimento. Ela própria afirma ter sido curada pelo líder espiritual.
Mesmo com as denúncias, as paulistas Cláudia Fernandes e Elizabeth Cozza não cogitaram desmarcar a viagem. “Meus filhos aconselharam a adiar. Imaginaram até que o centro poderia ser fechado”, disse Elizabeth. “Mas decidi arriscar. Sempre saio daqui com as energias renovadas”, completou. Frequentadora da casa há quatro anos, ela afirma que as denúncias precisam ser investigadas com seriedade. “Mas até que se prove, ele é inocente. Não vou julgá-lo de forma apressada.”
Antes do pedido de prisão preventiva ser realizado, a recomendação era reduzir a exposição de João de Deus. Era dada como certa, por exemplo, a participação do médium nas sessões e a possibilidade de se declarar um recesso na casa na próxima semana. As atividades seriam retomadas apenas no próximo ano. “Era o tempo de se baixar a poeira”, resumiu Francisco Lobo. Comprovação. Ao Estado, o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público de Goiás, Luciano Meireles, disse estar impressionado com o relato das vítimas e afirmou não ter dúvida de que, uma vez formalizadas as denúncias, o caso João de Deus tem potencial para superar o do ex-médico Roger Abdelmassih, condenado por abusar sexualmente de suas pacientes.
Nos casos de abusos sexuais, afirmou Meireles, as denúncias podem ter base apenas nos relatos das vítimas. “Mas vamos ouvir grande número de pessoas, para ver se as informações são conflitantes ou se encaixam.”/COLABOROU