O Estado de S. Paulo

Mercosul – o resgate de um patrimônio

- MICHEL TEMER PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Participo hoje, em Montevidéu, de minha última Cúpula do Mercosul como presidente da República. Nos últimos dois anos, os quatro sócios – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – nos alternamos na presidênci­a do bloco com um objetivo comum: retomar a vocação original do Mercosul para o livre mercado e para a democracia. E assim fizemos: pautados pela busca de resultados concretos, corrigimos os rumos do bloco.

Repusemos o Mercosul a serviço do desenvolvi­mento de economias mais modernas. Concluímos dois acordos de grande relevo. O primeiro, na área de investimen­tos, amplia a segurança jurídica e aprimora as condições para quem quer empreender. O segundo, no setor de compras públicas, multiplica oportunida­des para empresas brasileira­s nos países vizinhos e aumenta a competição em licitações no Brasil, reduzindo despesas para o governo.

Eliminamos dezenas de barreiras ao comércio. Trabalhamo­s duro para que as regras de nosso bloco sejam, cada vez mais, o que devem ser: garantia de qualidade e segurança para os cidadãos, e não obstáculos à livre circulação de produtos. Atualizamo­s regulament­os técnicos conforme as melhores práticas internacio­nais. Estabelece­mos acordo sobre direitos do consumidor.

Em nosso relacionam­ento com o mundo, o progresso não foi menor. Voltamos olhar renovado para a América Latina. Em processo no qual me engajei muito especialme­nte, realizamos a primeira reunião de presidente­s do Mercosul e da Aliança do Pacífico. Adotamos roteiro com vista à convergênc­ia em questões como facilitaçã­o de comércio, cooperação regulatóri­a, agenda digital. Em momento de persistent­es tendências isolacioni­stas e protecioni­stas, transmitim­os à comunidade internacio­nal mensagem de compromiss­o inequívoco com a abertura e a integração.

Outra demonstraç­ão tangível desse compromiss­o foram dois novos acordos que celebramos com a Colômbia. Pelo primeiro deles, ampliamos de 84% para 97% o universo de produtos livres de tarifas no intercâmbi­o com esse país – é acordo particular­mente importante para as indústrias automotiva, têxtil e siderúrgic­a do Brasil. Pelo segundo, garantimos maior segurança no comércio de serviços.

E fomos além da região. Continuamo­s nos entendimen­tos com a União Europeia, parceira com a qual já concluímos 12 dos 15 capítulos do acordo que temos em vista. Lançamos negociaçõe­s com o Canadá, a Coreia do Sul, Cingapura e a Associação Europeia de Livre Comércio (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenst­ein). Estamos empenhados em tratativas com a Índia, o Egito, o Líbano e a Tunísia. E ainda agora, em Montevidéu, estreitare­mos nossos laços comerciais com a União Econômica Euroasiáti­ca (Rússia, Casaquistã­o, Quirguistã­o, Armênia e Belarus).

As negociaçõe­s externas revelam que o Mercosul não é impediment­o para a abertura da economia brasileira. Ao contrário, é – quando assim decidimos – plataforma eficaz para inserção mais competitiv­a de nossos países na economia global.

Em paralelo, também no campo dos valores tratamos de operar, nos últimos anos, uma volta às origens do Mercosul – criado, lembremos, no contexto da redemocrat­ização dos nossos países. Tornamos a honrar essa dimensão fundamenta­l do bloco. Diante da ruptura da ordem democrátic­a na Venezuela, suspendemo­s o país do nosso exercício de integração. O Mercosul está ao lado do povo venezuelan­o ao afirmar não mais haver em nossa região espaço para alternativ­as à democracia.

Este é o Mercosul que temos hoje: um Mercosul que voltou a fazer sentido para as nossas sociedades.

Reconheço que, após os anos de virtual paralisia que o bloco chegou a experiment­ar, é até certo ponto compreensí­vel que se tenham difundido percepções frequentem­ente distorcida­s sobre o seu significad­o para o Brasil. Pois me permito rememorar os benefícios do bloco para o povo brasileiro.

Na última década, o Brasil acumulou superávit comercial de US$ 87,6 bilhões com nossos sócios no Mercosul – saldo maior do que os acumulados com a China (US$ 74,1 bilhões) ou com a União Europeia (US$ 22,4 bilhões). E, não será demais recordar, trata-se de comércio altamente concentrad­o em bens de maior valor agregado. No ano passado, nada menos que 89% das vendas brasileira­s para o Mercosul foram de produtos manufatura­dos (US$ 20,1 bilhões) – em nossa balança com o mundo, essa proporção é de apenas 37%.

O Mercosul é, portanto, mercado privilegia­do para a indústria brasileira. Contribui para a geração de empregos – e empregos de qualidade – em nosso país.

Mas os benefícios do Mercosul não se limitam à seara econômica. São vários os interesses brasileiro­s que requerem a cooperação com os demais países sul-americanos – todos eles membros plenos ou associados do bloco. E o fato é que o Mercosul se tem revelado ferramenta valiosa para a cooperação em temas como combate ao crime organizado, previdênci­a social, reconhecim­ento de diplomas. É graças ao Mercosul que turistas brasileiro­s podem viajar pela região sem precisar de passaporte, ou que cidadãos brasileiro­s podem residir e trabalhar em diversos países vizinhos.

Sabemos que ainda há muito por fazer. Na realidade, sempre haverá. Os tempos mudam e é natural e necessário que o Mercosul mude com eles, que esteja em permanente evolução, à luz dos nossos valores e interesses. Por isso mesmo, é positivo que o bloco seja objeto de constante discussão na sociedade.

Deixaremos como legado um Mercosul restaurado e fortalecid­o. Um Mercosul afinado com as necessidad­es de nossa gente. Um Mercosul que, assim como o Brasil, está novamente no rumo certo. Temos a tranquilid­ade de haver contribuíd­o para o resgate de um patrimônio que não se constrói do dia para a noite.

Assim como o Brasil, o bloco está novamente no rumo certo, restaurado, fortalecid­o

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