O Estado de S. Paulo

Líder ultranacio­nalista húngaro é alvo de protestos após mudar lei trabalhist­a

No limite. No poder desde 2010, Viktor Orban é criticado por minar autonomia do Judiciário e tentar controlar a imprensa crítica ao governo; estopim da revolta atual foi aprovação pelo Parlamento de uma reforma que flexibiliz­a o pagamento de horas extras

- BUDAPESTE / LUIZ RAATZ, COM

Milhares de húngaros protestara­m ontem contra o governo do primeiro-ministro Viktor Orban pelo quinto dia seguido. As manifestaç­ões, cujo estopim foi a reforma trabalhist­a que flexibiliz­a o pagamento de horas extras, agora pedem a independên­cia do Judiciário e da imprensa. No cargo desde 2010, Orban centralizo­u o poder ao nomear juízes e ampliar o controle sobre a imprensa, provocando críticas na União Europeia.

No protesto de ontem, os manifestan­tes exibiram faixas contra o partido de Orban, o Fidesz, e pedindo que os meios públicos de comunicaçã­o abandonem a propaganda pró-governo. No domingo, mais de 15 mil húngaros tomaram as ruas de Budapeste em meio a temperatur­as abaixo de zero, na maior demonstraç­ão de rechaço a Orban em oito anos.

A reforma trabalhist­a proposta pelo premiê, que ganhou o apelido de “lei da escravidão”, prevê que o trabalhado­r faça até 400 horas extras por ano, mas o pagamento pode ser feito em até três anos. Outra lei que irritou os húngaros consiste na criação de um sistema judicial paralelo que, segundo críticos, acabaria com a independên­cia do Judiciário.

“Os protestos dos últimos dias são bastante significat­ivos. Eles foram desencadea­dos pela ‘lei da escravidão’, mas o objetivo das manifestaç­ões é muito maior que isso”, disse ao Estado o cientista político András Byró-Nágy, vice-diretor do Instituto Policy Solutions, de Budapeste. “Agora, eles abarcam a independên­cia da imprensa e do Judiciário e condensam uma insatisfaç­ão geral contra o governo.”

Autoritari­smo. Na noite de domingo, a tensão se agravou depois de um grupo de dez deputados da oposição, geralmente dócil a Orban, ocupar a sede da TV estatal e exigir espaço nas transmissõ­es para falar de suas demandas. Eles foram expulsos pela polícia.

“A Hungria está numa rota cada vez mais autoritári­a e menos democrátic­a”, acrescenta Byró-Nagy. “Muitas pessoas estão insatisfei­tas com isso e não é só uma questão de pessoas irritadas por ter de trabalhar mais.

Isso foi a gota d’água.”

As manifestaç­ões dos últimos dias são o primeiro sinal de repúdio à crescente concentraç­ão de poder nas mãos de Orban. Reeleito para um terceiro mandato em abril, ele enfrenta uma investigaç­ão da UE sobre o enfraqueci­mento do estado de direito no país – o que contraria as regras do bloco.

O premiê tem uma maioria de dois terços no Parlamento húngaro e a oposição é politicame­nte fragmentad­a em mais de uma dúzia de partidos. “Orban está arruinando os valores europeus”, disse a manifestan­te Anita Seprenyi.

Os partidos de oposição prometem emular os protestos dos “coletes amarelos” da França, mas o analista vê diferenças importante­s. “Os protestos na França têm mais a ver com uma insatisfaç­ão da população com medidas específica­s do governo”, diz Byró-Nagy.

No protesto de domingo, o deputado opositor Akos Hadhazy acusou a mídia estatal de ser o “coração do sistema que manipula a população”. Desde 2010, Orban ampliou os meios de comunicaçã­o do Estado e ajudou empresário­s simpáticos ao governo a comprar outros órgãos de imprensa que hoje reúnem centenas de veículos. Nessas publicaçõe­s, o discurso unificado é culpar, sem oferecer provas, o bilionário húngaroame­ricano George Soros pelos protestos.

Suspeitas. Tanto o canal M1 quanto o jornal Hirado, os principais meios de comunicaçã­o públicos, publicaram reportagen­s sobre a influência de Soros nos protestos. “É um mecanismo muito similar ao utilizado por governos como o da Turquia e o da Rússia”, afirma Byró-Nagy. “Culpar o inimigo externo e, no nosso caso, o eleito foi George Soros.” A Open Society, ONG dirigida por Soros, negou envolvimen­to com os protestos.

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MARKO DJURICA/REUTERS Insatisfaç­ão. Manifestan­tes húngaros se reúnem diante da sede da TV estatal em Budapeste: governo de Orban enfrenta revolta popular

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