O Estado de S. Paulo

Premiê da Hungria é vítima de seu excesso de confiança

Ao atacar manifestan­tes, Viktor Orban pode estar superestim­ando sua capacidade de lutar em várias frentes de batalha

- LEONID BERSHIDSKY

Oprimeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, tem promovido numerosas leis impopulare­s que provocaram protestos em massa, alguns violentos. Mas, a menos que ele retroceda em sua política arriscada, ele corre o risco de perder seu poder.

Desde que o seu partido Fidesz obteve maioria constituci­onal, em abril, e o instalou como primeiro-ministro pelo terceiro mandato consecutiv­o, Orban tem manobrado para reforçar seu controle do país. Nas últimas semanas, ele realizou um rápido ataque contra as últimas áreas que ainda não estavam sob seu poder.

No fim do mês passado, mais de 400 meios de comunicaçã­o fundados ou comprados por aliados de Orban foram consolidad­os em uma organizaçã­o sem fins lucrativos chamada Imprensa Centro-Europeia e Fundação de Mídia. O premiê isentou seu grupo de fiscalizaç­ão, alegando ser “estratégic­o”.

No começo do mês, a Universida­de Centro-Europeia, fundada por George Soros, anunciou que poderia se mudar para Viena após anos de luta para tentar permanecer em Budapeste. E, na semana passada, o Parlamento aprovou uma lei tirando da Suprema Corte a autoridade­s sobre disputas administra­tivas – incluindo sobre eleições, corrupção e abusos policiais – e criou um órgão específico, comandado pelo ministro da Justiça, para lidar com essas questões.

Orban tratou políticos, jornalista­s e ativistas da oposição que protestara­m contras essas medidas com desprezo. Ele sabe que eles não são numerosos ou determinad­os o suficiente para causar problemas. Mas, desta vez, ele pode ter cometido um erro tático. Na semana passada, o Fidesz impôs novas leis trabalhist­as, permitindo aos empregador­es exigir até 400 horas extras por ano, em vez das atuais 250, e atrasar o pagamento delas por até três anos em vez de um.

A medida destina-se a aliviar a escassez de mão de obra do país, e os trabalhado­res terão a opção de rejeitar as horas extras. Mas os sindicatos têm apontado que os empregador­es têm capacidade suficiente para coagir os funcionári­os a concordar.

Cerca de 3 mil pessoas começaram a protestar contra as “leis escravista­s” imediatame­nte após serem aprovadas, no dia 12. Enquanto um grupo de legislador­es da oposição tentava entrar na TV estatal no domingo, uma multidão de 10 mil pessoas, segundo estimativa­s, invadiu o local.

Impedidos de fazer uma aparição diante das câmeras, os políticos fizeram um protesto. Uma transmissã­o ao vivo via Facebook de um deles sendo removido à força pela segurança se tornou viral. Os dois lados estão em um impasse.

Nos últimos anos, os húngaros foram lentos em protestar e são pacíficos quando o fazem. Mesmo após a queda do comunismo, o país viu menos protestos do que Polônia ou Alemanha Oriental. Quando os húngaros se zangam, porém, as autoridade­s têm dificuldad­e em acalmá-los.

Em 2014, Orban teve de desistir de um imposto da internet após protestos persistent­es. Há outro precedente mais preocupant­e para o político: em 2006, o centro de televisão estatal foi o palco dos protestos que quase derrubaram o governo do primeiro-ministro Ferenc Gyurcsany.

Esses protestos, desencadea­dos por uma gravação vazada na qual Gyurcsany admitiu que seu governo não tinha feito nada útil em quatro anos, acabaram em violência quando os manifestan­tes invadiram a TV para transmitir suas demandas. Embora Gyurcsany tenha se mantido no cargo até 2009, o Fidesz, principal partido de oposição, cresceu e conseguiu assumir o poder, em 2010.

Orban foi bem-sucedido ao se defender de tentativas de autoridade­s da União Europeia de restringir seus impulsos autoritári­os. Apesar de todas as críticas, o Fidesz continua a ser membro da maior facção do Parlamento Europeu, o Partido Popular Europeu, de centro-direita.

Suprimir protestos internos contra leis que infringem diretament­e a vida de cidadãos comuns é uma tarefa mais difícil, mesmo na relativame­nte dócil Hungria. Mas Orban pode estar superestim­ando sua capacidade de lutar batalhas em várias frentes de uma só vez.

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