O Estado de S. Paulo

Muçulmanos fazem trabalhos forçados na China

Programa do governo de reeducação pelo trabalho obriga uigures a abdicar do islamismo e jurar lealdade ao Partido Comunista

- Chris Buckley Austin Ramzy KASHGAR, CHINA / NEW YORK TIMES TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Detentos muçulmanos em campos de confinamen­to no oeste da China passam o dia debruçados sobre máquinas de costura. Eles estão entre as centenas de milhares de pessoas que foram detidas e passaram mês após mês renunciand­o a suas convicções religiosas. Agora, o governo os mostra na TV como modelos de arrependim­ento, ganhando bons salários como trabalhado­res de fábricas.

O Partido Comunista da China diz que uma extensa rede de campos na região de Xinjiang fornece treinament­o profission­al e coloca os presos em linhas de produção para seu próprio bem, oferecendo uma fuga da pobreza, do atraso e das tentações do islamismo.

Mas evidências crescentes sugerem que um sistema de trabalho forçado está sendo montado, um desenvolvi­mento que provavelme­nte intensific­ará a condenação internacio­nal aos drásticos esforços da China para controlar e doutrinar uma população de minoria muçulmana de 12 milhões de pessoas em Xinjiang.

Kashgar, uma área antiga e predominan­temente uigur do sul de Xinjiang, é o foco do programa. Lá, em 2018, 100 mil presos passaram pelos “centros de treinament­o vocacional” para trabalhar em fábricas, segundo um plano divulgado em agosto.

Esse número pode estar aquém da realidade. Estudiosos estimam que cerca de 1 milhão de pessoas, uigures e de outras minorias étnicas muçulmanas, podem estar sendo mantidas nos campos. O governo chinês não deu nenhum número.

Relatos da região, imagens de satélite e documentos oficiais indicam que um número crescente de detentos está sendo enviado para novas fábricas, construída­s dentro ou perto dos campos, onde os presos têm pouca escolha a não ser aceitar empregos e seguir ordens.

“Essas pessoas detidas fornecem trabalho forçado gratuito

ou de baixo custo”, disse Mehmet Volkan Kasikci, pesquisado­r que coletou relatos de detentos nas fábricas.

A China contestou uma onda recente de indignação internacio­nal contra o programa de internação em Xinjiang, que mantém muçulmanos e os força a renunciar à religião e a manter lealdade ao partido. O programa ressalta a determinaç­ão do governo de continuar operando tais campos, apesar dos apelos de defensores dos direitos humanos, da ONU, dos EUA e de outros governos para fechá-los.

O programa tem como objetivo transforma­r uigures, cazaques e outras minorias étnicas – muitos deles agricultor­es, lojistas e comerciant­es – em uma força de trabalho industrial disciplina­da e de língua chinesa, leais ao Partido Comunista e chefes de fábrica, segundo os planos oficiais publicados online.

Tais documentos descrevem os campos como centros de treinament­o vocacional e não especifica­m se os reclusos são obrigados a aceitar tarefas. Mas restrições generaliza­das ao movimento e ao emprego de minorias muçulmanas em Xinjiang, bem como um esforço do governo para persuadir empresas a abrir fábricas perto dos campos, sugerem que eles têm pouca escolha.

Serikzhan Bilash, um dos fundadores da Atajurt Kazakh Human Rights, uma ONG do Casaquistã­o que ajuda cazaques que deixaram a região vizinha de Xinjiang, disse ter entrevista­do parentes de dez prisioneir­os. Eles disseram que foram obrigados a trabalhar em fábricas depois de serem doutrinado­s. Na maioria das vezes, fabricavam roupas e chamavam seus empregador­es de “fábricas negras”, em razão dos baixos salários e das difíceis condições.

Kasikci descreveu vários casos com base em entrevista­s com membros da família: Sofiya Tolybaiqyz­y, que foi enviado de um campo para trabalhar em uma fábrica de tapetes; Abil Amantai, de 37, que foi colocado em um acampament­o há um ano e disse a parentes que trabalhava em uma fábrica de tecidos por US$ 95 por mês; Nural Razila, de 25 anos, que estudou perfuração de petróleo, mas, depois de um ano em um acampament­o, foi enviado para uma nova unidade têxtil nas proximidad­es.

“Não se trata de fazer uma escolha entre trabalhar em uma fábrica ou para qual fábrica seriam enviados”, disse Darren Byler, professor da Universida­de de Washington que estuda em Xinjiang. Ele disse que é seguro concluir que centenas de milhares de detidos podem ser obrigados a trabalhar em fábricas se o programa for implementa­do em todos os campos de concentraç­ão da região – o que deve ocorrer em 2019. /

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AP Salvação. Vídeo do governo chinês mostra uigures convertido­s trabalhand­o em fábricas em Xinjiang: programa não permite escolha aos detentos

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