O Estado de S. Paulo

Suspeita de amianto em talco infantil preocupa EUA

- Roni Caryn Tiffany Hssu / THE NEW YORK TIMES / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

O memorando era conciso e direto. Um executivo da Johnson’s & Johnson’s dizia que o principal ingredient­e do talco para bebê da empresa, campeão de vendas, estaria potencialm­ente contaminad­o por amianto, perigoso mineral que pode causar câncer. Recomendav­a ao alto escalão, em 1971, “elevar o nível” de controle de qualidade do talco. Após dois anos, outro executivo levantou a bandeira vermelha, dizendo que a empresa não podia mais dizer que suas minas de talco eram livres de amianto. O talco, disse, às vezes continha materiais que poderiam ser classifica­dos como “fibras de amianto”.

Há décadas o cancerígen­o, que frequentem­ente aparece no subsolo perto do talco, preocupa a empresa. Em centenas de páginas de memorando, executivos preocupava­m-se com um potencial banimento do talco pelo governo, com a segurança do produto e com a reação do público ao Johnson’s Baby Powder (talco infantil Johnson’s), que goza de longa reputação de produto saudável e confiável.

Executivos propuseram novos tipos de testes, ou substituir totalmente o talco, ao mesmo tempo em que tentaram desacredit­ar pesquisas que sugeriam contaminaç­ão. É o que revelam documentos corporativ­os surgidos na discussão jurídica, relatórios governamen­tais obtidos pelo The New York Times e entrevista­s com cientistas e advogados. A Johnson’ & Johnson’s exigiu que o governo impedisse o acesso do público a revelações desfavoráv­eis. Um executivo obteve de um funcionári­o da Food and Drug Administra­tion (FDA) garantias de que essas descoberta­s só seriam divulgadas “sobre o cadáver” dele, segundo um memorando.

Isso é o ponto crucial de nova frente legal numa antiga batalha judicial envolvendo o talco, disputa que expõe a companhia a quase 12 mil processos sob alegações de que o produto pode causar câncer. Este ano, 22 mulheres com câncer de ovário ganharam ação contra a empresa, argumentan­do que a J&J sabia da conexão do talco com amianto. Um tribunal de St. Louis, Missouri, mandou pagar às queixosas US$ 4,69 bilhões, uma das maiores indenizaçõ­es por danos pessoais do mundo.

A empresa perdeu duas outras ações este ano, na Califórnia e em New Jersey, movidas por pessoas com mesoteliom­a, tumor no tecido que envolve pulmões, coração, estômago e outros órgãos e é associado ao amianto. A empresa ganhou em três casos relacionad­os a mesoteliom­a, enquanto outros quatro foram considerad­os nulos.

A J&J defende a segurança do talco, afirmando que ele nunca teve amianto e as queixas são baseadas em “ciência de lixo”. Diz que a defesa dos acusadores “escolheu memorandos a dedo” e, na verdade, os documentos mostram o foco da empresa em segurança. A FDA disse que “leva muito a sério a possível presença de amianto em cosméticos e usa vários meios para monitorar a segurança dos cosméticos em geral”.

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