Suspeita de amianto em talco infantil preocupa EUA
O memorando era conciso e direto. Um executivo da Johnson’s & Johnson’s dizia que o principal ingrediente do talco para bebê da empresa, campeão de vendas, estaria potencialmente contaminado por amianto, perigoso mineral que pode causar câncer. Recomendava ao alto escalão, em 1971, “elevar o nível” de controle de qualidade do talco. Após dois anos, outro executivo levantou a bandeira vermelha, dizendo que a empresa não podia mais dizer que suas minas de talco eram livres de amianto. O talco, disse, às vezes continha materiais que poderiam ser classificados como “fibras de amianto”.
Há décadas o cancerígeno, que frequentemente aparece no subsolo perto do talco, preocupa a empresa. Em centenas de páginas de memorando, executivos preocupavam-se com um potencial banimento do talco pelo governo, com a segurança do produto e com a reação do público ao Johnson’s Baby Powder (talco infantil Johnson’s), que goza de longa reputação de produto saudável e confiável.
Executivos propuseram novos tipos de testes, ou substituir totalmente o talco, ao mesmo tempo em que tentaram desacreditar pesquisas que sugeriam contaminação. É o que revelam documentos corporativos surgidos na discussão jurídica, relatórios governamentais obtidos pelo The New York Times e entrevistas com cientistas e advogados. A Johnson’ & Johnson’s exigiu que o governo impedisse o acesso do público a revelações desfavoráveis. Um executivo obteve de um funcionário da Food and Drug Administration (FDA) garantias de que essas descobertas só seriam divulgadas “sobre o cadáver” dele, segundo um memorando.
Isso é o ponto crucial de nova frente legal numa antiga batalha judicial envolvendo o talco, disputa que expõe a companhia a quase 12 mil processos sob alegações de que o produto pode causar câncer. Este ano, 22 mulheres com câncer de ovário ganharam ação contra a empresa, argumentando que a J&J sabia da conexão do talco com amianto. Um tribunal de St. Louis, Missouri, mandou pagar às queixosas US$ 4,69 bilhões, uma das maiores indenizações por danos pessoais do mundo.
A empresa perdeu duas outras ações este ano, na Califórnia e em New Jersey, movidas por pessoas com mesotelioma, tumor no tecido que envolve pulmões, coração, estômago e outros órgãos e é associado ao amianto. A empresa ganhou em três casos relacionados a mesotelioma, enquanto outros quatro foram considerados nulos.
A J&J defende a segurança do talco, afirmando que ele nunca teve amianto e as queixas são baseadas em “ciência de lixo”. Diz que a defesa dos acusadores “escolheu memorandos a dedo” e, na verdade, os documentos mostram o foco da empresa em segurança. A FDA disse que “leva muito a sério a possível presença de amianto em cosméticos e usa vários meios para monitorar a segurança dos cosméticos em geral”.