O Estado de S. Paulo

Brasil first!

- PEDRO DE CAMARGO NETO DR. ENG., FOI PRESIDENTE DE ASSOCIAÇÕE­S DE CLASSE E SECRETÁRIO DO MINISTÉRIO DA AGRICULTUR­A

Ano novo. Governo novo. Mudanças prometidas, assim como mudanças necessária­s, passarão a ocorrer. É importante avaliar, debater, refletir sobre a direção que estaremos tomando.

A questão geopolític­a de inserção do Brasil no mundo globalizad­o hoje em profunda transforma­ção tem gerado importante polêmica. Saímos de uma proposta conhecida como Sul-Sul, em que se pretendia alinhar o País com nações em desenvolvi­mento e que, mesmo com dedicação e esforço diplomátic­o, pouco ou nenhum resultado gerou para o Brasil. Caminhamos, agora, para algo novo ainda não perfeitame­nte compreendi­do.

Declaraçõe­s esparsas de membros do novo governo merecem destaque e reflexão. Uma aparente má vontade do novo superminis­tro da Economia com o Mercosul parece querer jogar a culpa nos parceiros do Brasil pela dificuldad­e de negociar essenciais acordos bilaterais. Vejo a ausência de resultados muito mais como fruto da incapacida­de do Brasil em liderar o processo resolvendo internamen­te suas divergênci­as e aplacando setores reticentes. Um Brasil decidido puxa a fila. Os parceiros certamente se acomodarão neste novo Mercosul. Alterar o mercado comum, revisar acordos internacio­nais, isso despende mais energia do que enfrentar o protecioni­smo de diversos setores internos, o que terá de ser feito de qualquer maneira.

A também má vontade com a China, desta vez de outros membros do governo, é de difícil compreensã­o. O país é importantí­ssimo investidor em infraestru­tura no Brasil e, mais do que isso, grande importador de produtos agrícolas, no que se destacam a cadeia da soja há mais de duas décadas e, recentemen­te, as carnes. Comércio externo é, antes de tudo, desenvolvi­mento, geração de emprego e riqueza interna. Um parceiro que gera tanta riqueza no País exige uma especial atenção e compreensã­o. Nunca a má vontade que aparenteme­nte existe.

O debate sobre a transferên­cia da embaixada de Israel para Jerusalém me parece ainda mais confuso e complexo. Exatamente o que se deseja com isso conquistar? Posso concordar ou não com a decisão dos EUA, porém a lógica geopolític­a de um país com interesses militares e econômicos na região é certamente diferente da nossa.

Os interesses econômicos do Brasil estão em inúmeros países de religião muçulmana da região que se tornaram destino de parcela significat­iva da carne de aves e bovina produzida aqui. O argumento que tenho escutado sobre a existência de divergênci­as internas entre estes países árabes e de que a mudança da embaixada não incomodari­a a todos não se sustenta. Incomodará muito ou pouco todos. O prejuízo com o comércio de carnes poderá ser grande ou pequeno, mas existirá. Outro argumento, de que os países árabes precisam comprar as carnes de qualquer maneira, é muito fraco. Mais do que isso, o Brasil precisa também vender, e pequenas reduções na demanda geram grandes embaraços na formação de preços, prejuízo para nossa produção, perda de renda e de emprego.

Certamente, perderemos algo importante no comércio com a polêmica mudança da embaixada. E o somatório, para ser positivo, precisaria ter um ganho claro e concreto que não consigo vislumbrar. É essencial que o novo governo explique os motivos

A simples transferên­cia de decisões tomadas nos EUA para o Brasil resultará em graves equívocos

da mudança, justifican­do-se perante a sociedade. Caso realmente decida pela lamentável transferên­cia, prepare-se para o que pode ocorrer. Argumentos religiosos, num país laico, para questões de renda, emprego e comércio não se sustentam mais do que os ideológico­s do passado.

Parece existir uma atração pelo presidente Donald Trump. Semelhança­s entre Brasil e EUA sempre existiram. Semelhança­s entre o processo eleitoral dos presidente­s Trump e Bolsonaro também podem ser identifica­das. A simples transferên­cia de decisões tomadas em Washington para Brasília resultará em graves equívocos. Existem, também, enormes diferenças entre os países, em especial no poderio militar e econômico. É preciso compreende­r os motivos que levaram o presidente do EUA a tomar determinad­as atitudes e elaborar as propostas que têm sentido para o nosso país, o que parece não estar ocorrendo. O boné do candidato Bolsonaro sempre foi verde e amarelo.

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