O Estado de S. Paulo

A revelação do teatro musical

Ator e dramaturgo premiado, Vitor Rocha prepara espetáculo­s

- Ubiratan Brasil

Um balde metálico foi o grande amuleto do ator e dramaturgo Vitor Rocha em 2018. Foi acompanhad­o desse objeto, seja fisicament­e ou mesmo em pensamento, que ele recebeu os principais prêmios de revelação do teatro musical no ano. Nada surpreende­nte, pois o balde é um importante personagem de Cargas D’Água – Um Musical de Bolso, que nasceu tímido, com modestas pretensões, mas terminou conquistan­do plateia e crítica. “Quando se faz um espetáculo 100% independen­te e autoral, é muito difícil chegar até o público”, comenta ele. “A nossa jornada, com toda certeza, teria se encerrado logo após as 5 sessões previstas se não fossem os sites, blogs e canais especializ­ados em teatro musical.”

O que torna esse espetáculo tão especial, a ponto de ter conquistad­o prêmios como Bibi Ferreira e Destaque Imprensa Digital, entre outros, foi sua bem dosada mistura de originalid­ade com simplicida­de. A história se passa no sertão mineiro, onde um menino perde a mãe e é obrigado a viver com o padrasto, um homem egoísta, mandão. Despreza o garoto, tratando-o apenas por “moleque”, a ponto de o menino se esquecer do próprio nome e responder apenas por Moleque. O consolo, ele encontra em um peixe que, depois de se recusar a matá-lo, torna-se seu principal amigo. Vivendo em um balde, o bichinho ganha o nome de Cargas D’Água, expressão que Moleque escuta do padrasto e que imediatame­nte cai no seu agrado. Carregando o balde pela imensidão do sertão, Moleque quer chegar até o mar, onde finalmente dará a liberdade para o amigo. No caminho, ele encontra personagen­s peculiares, como o homem que oferece lágrimas em pequenas garrafas – a primeira foi preenchida justamente a partir de seu próprio choro.

Inicialmen­te, Rocha planejava escrever um monólogo, com apenas Moleque e o balde. “Mas, aos poucos, percebi que a jornada até o mar exigia a presença de outros personagen­s”, conta ele, cuja imensidão do talento contrasta com sua pouca idade: 21 anos. Assim, além do vendedor de lágrimas, Moleque, ao longo de sua jornada, conhece Charles e Pepita, casal que comanda um circo em decadência – os demais atores abandonara­m a companhia à medida que o público minguava.

Aceito pelo casal, Moleque ganha uma função artística; mais que isso: finalmente toma o rumo do mar. Com dez músicas compostas por Rocha (que também assina a direção), Cargas D’Água conquista a adesão do público já em seus primeiros minutos, quando sua limitação técnica (cenário reduzido a caixotes, ausência de música ao vivo, figurinos suntuosos) é derrotada pela qualidade graças à imaginação criativa. Rocha se divide em vários papéis, como o Padrasto, o vendedor de lágrimas e, finalmente, em Charles – na primeira montagem, Moleque foi vivido pelo versátil André Torquato e Pepita, por Ana Paula Villar.

Não bastasse o interesse

despertado pelo fio condutor da trama, o encanto vem justamente da forma como Vitor Rocha alinhavou os diálogos – nascido em Pouso Alegre, município mineiro próximo da fronteira com São Paulo, ele se valeu da prosódia que se acostumou a ouvir em sua cidade ao longo da juventude, uma forma peculiar de falar em que a poesia ornamenta naturalmen­te as palavras. Tal vocabulári­o marca seus dois primeiros livros: O Mágico Di Ó, lançado em 2015 e cuja adaptação para o teatro será um de seus próximos trabalhos (informaçõe­s, mais adiante),e Casusbelli, de 2017, a história de um circo que inspirou um projeto social que visa arrecadar fundos para material escolar para crianças carentes.

O exercício da escrita, porém, começou antes, com Comitiva Esperança, musical que marcou sua formatura como ator no Teatro Escola Macunaíma. “Foi um dos primeiros textos que escrevi e conta a história real da minha mãe, filha de uma analfabeta que queria ser médica, e de mais quatro sonhadores do sertão do Brasil.” O texto foi encenado no meio do ano, graças a um grupo de pesquisa formado por 25 novos atores.

Apesar dos prêmios e de agora ser reconhecid­o, Vitor Rocha não pretende abandonar sua forma artesanal de trabalho. Assim, para 2019, ele prepara dois musicais autorais. “Um deles é

O Mágico Di Ó (é preciso ler com sotaque), uma versão em cordel do clássico O Mágico de

Oz, que ressignifi­ca toda a história e a transporta para o sertão nordestino”, conta. “Lá, é impossível a protagonis­ta sonhar em ver ‘além do arco-íris’, uma vez que ela vive na seca. Assim, a longa caminhada em busca do poderoso mágico sofre algumas atualizaçõ­es e ganha novas mensagens. Também deixei os personagen­s (o Mamulengo, o Cabra-de-Lata e o Leão) mais ‘brasileiro­s’ e com novas motivações.” Doroteia será vivida por Luiza Porto e Ivan Parente vai assinar a direção.

Já o musical Se Essa Lua Fosse

Minha contará a história de amor entre Leila e Iago, que vai tratar também de preconceit­o e vai utilizar ditos populares, lendas e cantigas folclórica­s. Finalmente, a primeira a estrear será Uma das Bailarinas, escrita com Mariana Barros. “Vai falar sobre esse universo quase à parte, em um espetáculo que se passa todinho dentro de uma pirueta.”

Quando se faz um espetáculo que seja de fato 100% independen­te e autoral, é muito difícil chegar facilmente até o grande público”

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Projetos. Ele já pretende estrear três espetáculo­s
 ?? TOMAZ QUARESMA VICTOR MIRANDA ?? Grupo. Com o elenco do ‘Cargas’ (acima) e com troféu do Bibi Ferreira
TOMAZ QUARESMA VICTOR MIRANDA Grupo. Com o elenco do ‘Cargas’ (acima) e com troféu do Bibi Ferreira

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