O Estado de S. Paulo

Na política externa, Bolsonaro poderá dar dupla canelada: rompimento de relações com Venezuela e Cuba.

- E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Depois de acertar com Michel Temer a extradição do italiano Cesare Battisti e de abandonar o Pacto Global de Migração exatamente enquanto estava sendo assinado pelo Brasil e outros 160 países, o futuro governo poderá ser ainda mais audacioso na política externa, com uma dupla canelada: o rompimento de relações tanto com a Venezuela quanto com Cuba.

Isso não é nada trivial, mas o primeiro passo já foi dado com o cancelamen­to do convite aos presidente­s dos dois países, Nicolás Maduro e Miguel Díaz-Canel, para a posse de Jair Bolsonaro em primeiro de janeiro. A última vez que o Brasil rompeu relações com um país foi em 1964, justamente com Cuba. De 1964 e 1967, as relações com a Venezuela foram suspensas, mas por iniciativa de Caracas.

A decisão de desconvida­r os dois presidente­s não foi consensual no núcleo duro do futuro governo, mas Bolsonaro e seu chanceler, o diplomata Ernesto Araújo, foram inflexívei­s. Nada de Maduro e de Díaz-Canel na posse.

O Itamaraty havia seguido o protocolo, ao emitir os convites para todos os países com quem o Brasil mantém relações, independen­temente de ideologia ou outro fator político. Depois, se limitou a enviar uma nova mensagem, curta, grossa e sem nenhuma explicação: “Favor desconside­rar o telegrama anterior”. Equivale a rasgar o convite para a posse, uma deselegânc­ia.

No núcleo duro bolsonaris­ta, todo ele igualmente contra os regimes de Cuba e Venezuela, a discussão foi quanto ao que seria melhor para o Brasil. O lado perdedor, que queria manter o convite, preferia que o protocolo fosse mantido e a “desfeita” fosse de Maduro e Díaz-Canel, pois eles certamente não viriam de qualquer forma. Essa desfeita deixaria o Brasil na posição de vítima e daria um bom pretexto para o rompimento de relações após a posse.

Na discussão, que incluiu civis e militares, esse lado ponderou que a política externa “não pode ser ideológica”. Se era para desconvida­r Cuba e Venezuela, por que não a Bolívia, alguns países da África ou a própria China, que é o maior parceiro comercial, mas mantém um regime de esquerda?

Bolsonaro, porém, não deu ouvidos a essa ponderação e foi na linha de Ernesto Araújo, que tem pressa no afastament­o dos dois regimes para mostrar, logo de cara, a guinada da política externa brasileira. O próximo passo será formalizar o rompimento o quanto antes.

Essa é uma ação diplomátic­a absolutame­nte fora de padrão, mas as relações do Brasil com Cuba vão de mal a pior desde o impeachmen­t de Dilma Rousseff, quando Havana retirou a embaixador­a de Brasília e nunca mais a substituiu, além de jamais ter respondido ao pedido de agréement para um embaixador brasileiro em Havana.

Se já eram ruins com Michel Temer, as relações se deteriorar­am de vez com a eleição de Jair Bolsonaro e a retirada dos médicos cubanos. Foi uma decisão de Havana, mas não tão unilateral assim, já que Bolsonaro já vinha criticando o formato do programa e formação dos profission­ais da Ilha.

Quanto à Venezuela, foi um dos primeiros, senão o primeiro país a rechaçar o impeachmen­t de Dilma e a posse de Temer, ao que o novo chanceler na época, José Serra, respondeu num tom muito mais duro e político do que cuidadoso e diplomátic­o. Diante da posse de Bolsonaro, qualquer chance de reaproxima­ção implodiu de vez.

Pergunta-se agora o que acontece com a dinheirama que o BNDES da era Lula e Dilma despejou em Cuba e na Venezuela (aliás, para financiar projetos da Odebrecht). Vai micar? Essa é uma ótima pergunta.

Última vez que Brasil rompeu relações diplomátic­as foi em 1964, justamente com Cuba

Morte. Depois do “bastam um soldado e um cabo para fechar o Supremo”, Eduardo Bolsonaro defende a pena de morte. Quem vai mandar o “garoto” calar a boca?

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil