O Estado de S. Paulo

Desafio dos novos governador­es está em desfazer o discurso de que o ajuste fiscal vem à custa da população.

- ANA CARLA ABRÃO E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

Uma coalizão do bem foi formada na semana passada. Reunidos com o objetivo de compartilh­ar ideias e experiênci­as, quatro governador­es recém-eleitos decidiram juntar forças em defesa do ajuste das contas e da responsabi­lidade fiscal. O encontro foi organizado pela Comunitas, organizaçã­o não governamen­tal que reúne lideranças da iniciativa privada e gestores públicos em projetos de inovação em municípios e Estados brasileiro­s. Estiveram também presentes o ministro Eduardo Guardia, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, e o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, além dos futuros secretário­s de Fazenda de Goiás, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pará. Ao fim da reunião, a coalizão ainda ganhou um reforço de peso com a adesão de João Doria, governador recém-eleito em São Paulo.

O contexto não é nada simples. Prestes a assumirem os governos dos Estados de Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, 3 dos 5 governador­es ali reunidos têm diante de si um quadro de colapso fiscal que não lhes dá muita alternativ­a senão a de enfrentar o problema para resgatar a capacidade de governar. Seus Estados acumulam déficits fiscais enormes, com atrasos no pagamento dos salários de servidores e restos a pagar que denunciam atrasos ainda maiores com fornecedor­es de bens e serviços em áreas prioritári­as, como saúde, segurança e educação. Os investimen­tos minguados e os cortes emergencia­is nos gastos com o custeio compromete­m a qualidade dos serviços públicos.

Mas há solução e foi em torno dela que a coalizão se reuniu. O primeiro ponto de consenso gira em torno da necessidad­e urgente de se aprovar a reforma da Previdênci­a. Está claro que não há como enfrentar a crise dos Estados, retomar a capacidade de investir e melhorar a qualidade dos serviços públicos sem que o déficit da Previdênci­a seja estancado. Somente em 2017 foram mais de R$ 70 bilhões de déficit no conjunto dos 27 Estados. Esse valor vem crescendo de forma exponencia­l. Uma reforma da Previdênci­a que englobe os Estados é, portanto, o ponto inicial e a principal medida para interrompe­r o processo de desequilíb­rio das contas públicas que, lembremos, é a causa e não a consequênc­ia das nossas mazelas.

Outras medidas de reequilíbr­io serão necessária­s e estão no âmbito de atuação dos próprios governador­es, como o controle das despesas com pessoal e o diálogo com os demais poderes, em particular com o Judiciário. Nesse campo, também o STF tem papel fundamenta­l, julgando ações diretas de inconstitu­cionalidad­e contra a Lei de Responsabi­lidade Fiscal que repousam há décadas sem a apreciação do tribunal e que podem devolver aos Estados instrument­os de ajuste.

Mas o maior dos desafios será, sem dúvida, o de comunicaçã­o com a sociedade. Tornar claro que o caminho do ajuste é o único que nos garante a possibilid­ade de nossos governante­s retomarem sua capacidade de cuidar dos cidadãos é tarefa fundamenta­l. Afinal, após anos de desconstru­ção das nossas instituiçõ­es fiscais, o que nos ficou, além da maior recessão da nossa história, é uma falsa percepção de que gastar mais é a solução para os nossos problemas ou que tudo se resolverá quando o Brasil voltar a crescer. Foram essas percepções que permitiram o descumprim­ento sistemátic­o de leis e o abandono da responsabi­lidade fiscal como pilar, inclusive pelos órgãos de controle de contas, responsáve­is pela sua manutenção.

O desafio está em desfazer o discurso de que ajuste fiscal vem à custa da população, como se não fosse a situação atual a maior contraprov­a disso. Mas há ainda uma melhor contraprov­a, que é o Espírito Santo de Paulo Hartung. Foi lá que se cunhou a expressão que, se tudo correr bem, deverá se tornar nacional: “cuidar das contas, para cuidar das pessoas”.

Essa é a mensagem principal que uma coalizão em torno do ajuste de contas poderá transmitir à sociedade, explicando que quem não é capaz de cuidar das contas públicas, não conseguirá cuidar do social, ou seja, das pessoas. Não é o ajuste fiscal que sacrifica a sociedade, mas sim o desajuste de contas públicas, que leva, como estamos hoje assistindo, à incapacida­de crescente do Estado de cuidar das pessoas.

O desafio está em desfazer o discurso de que ajuste fiscal vem à custa da população

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