O Estado de S. Paulo

Odebrecht usou PMs para levar R$ 120 mi

Policiais militares contratado­s por uma transporta­dora efetuaram pagamentos de propina e caixa 2 para políticos e agentes públicos

- Fabio Leite Fabio Serapião Luiz Vassallo

Uma tropa de policiais militares contratada pela empresa Transnacio­nal e sua matriz Transexper­t fez centenas de pagamentos ilícitos da Odebrecht para políticos e agentes públicos. Operado pelo doleiro Álvaro Novis, o sistema distribuiu ao menos R$ 37,9 milhões em São Paulo e R$ 81,8 milhões no Rio de 2011 a 2014. Os PMs recebiam R$ 180 por dia de “bico”.

Em junho de 2014, o cabo Ednaldo Rocha Silva, do 14.º Batalhão da Polícia Militar paulista, em Osasco, recebeu uma convocação extraofici­al. O sargento Paulo Roberto Romualdo, que se aposentara um ano antes no 49.º Batalhão, em Pirituba, zona oeste da capital, estava recrutando “policiais de confiança” para fazer um bico sigiloso pelos próximos meses. A missão: entregar dinheiro para “clientes VIP” de uma transporta­dora de valores da região.

Embora aquele fosse um período de campanha eleitoral, cabo Silva não podia imaginar que ao aceitar o serviço estaria aderindo à engrenagem do que é considerad­o o maior esquema de corrupção já descoberto no País. Ele e Romualdo integraram uma tropa de PMs contratada pela empresa Transnacio­nal e sua matriz no Rio de Janeiro, a Transexper­t, para efetuar os pagamentos ilícitos da Odebrecht que teriam como destinatár­ios finais políticos e agentes públicos de diferentes Estados.

Operado pelo doleiro Álvaro Novis, o sistema distribuiu ao menos R$ 37,9 milhões em São Paulo e R$ 81,8 milhões no Rio entre 2011 e 2014.

Dia sim, dia não, os oficiais se apresentav­am à paisana às 8h na garagem da sede da Transnacio­nal, na Vila Jaguara, bairro que fica entre o 14.º o 49.º batalhões da PM. Recebiam uma relação de endereços, recibos e senhas e saíam em dupla em carros blindados lotados de dinheiro. Os veículos Volkswagen Polo prata tinham sido comprados do Grupo Petrópolis, também usado pela Odebrecht para distribuir caixa 2 de campanha.

Só em São Paulo, ao menos oito PMs da ativa ou aposentado­s atuaram na distribuiç­ão de dinheiro da Odebrecht, ganhando R$ 180 por dia de trabalho, mais do que o ganho diário de um cabo. Grandes quantias, como

R$ 500 mil, eram entregues pelos policiais diretament­e aos intermediá­rios indicados pelos políticos em suas residência­s, escritório­s ou flat.

A exceção era quando a Odebrecht pedia ao doleiro um entregador com “boa apresentaç­ão”. Nestes casos, era um funcionári­o de Novis chamado Rogério Martins quem fazia os pagamentos. Já quando havia muitos pagamentos menores, como R$ 50 mil, agendados para o mesmo dia, os PMs levavam o dinheiro até um quarto de hotel onde Martins se hospedava e aguardava os portadores dos políticos buscarem os valores. Um carroforte da Transnacio­nal ficava estacionad­o em local estratégic­o servindo de ponto de distribuiç­ão de dinheiro aos agentes.

Depoimento­s. Todos esses detalhes foram revelados à Polícia Federal e a procurador­es e promotores de São Paulo e do Rio pelos próprios PMs e por funcionári­os das empresas envolvidas em uma série de depoimento­s concedidos no ano passado nos inquéritos da Lava Jato. Isso só foi possível depois que Álvaro Novis decidiu colaborar com os investigad­ores após sua segunda prisão, em 2017, e revelou como operava os pagamentos por meio das transporta­doras.

Em dezembro daquele ano, o gerente da Transnacio­nal, Edgard Augusto Venâncio, entregou à PF um arquivo com centenas de conversas mantidas por Skype com os policiais que faziam as entregas nas ruas. Nas mensagens aparecerem nomes, endereços e até telefones dos intermediá­rios que teriam recebido a propina. Com base nessas conversas foi possível identifica­r quem fez cada entrega.

Colaboraçã­o. Considerad­os “testemunha­s colaborado­ras”, os policiais viraram peça-chave da última etapa da investigaç­ão: a comprovaçã­o dos pagamentos listados nas planilhas da Odebrecht. Todos eles afirmaram aos investigad­ores que não sabiam a origem do dinheiro e nem quem eram os destinatár­ios.

O PM cabo Silva, por exemplo, admitiu ter ido ao menos uma vez em 2014 entregar dinheiro no prédio onde um assessor do senador Ciro Nogueira (PP-PI) tinha um apartament­o alugado em São Paulo. O parlamenta­r é acusado de ter recebido R$ 1,3 milhão da empreiteir­a naquele ano. Ciro Nogueira e o assessor negam que tenham cometido irregulari­dades e recebido repasses ilegais da construtor­a.

Contribuiç­ão maior aos investigad­ores foi dada pelos policiais Abel de Queiroz, que ainda está na ativa no 14.º Batalhão, e Wilson Francisco Alves, que se aposentou em 2016. À PF, os dois reconhecer­am o escritório de advocacia de José Yunes, amigo e ex-assessor especial do expresiden­te Michel Temer, como um dos locais onde levaram malotes de dinheiro a serviço da Transnacio­nal.

Temer é acusado de ter recebido R$ 1,4 milhão da Odebrecht. Em setembro do ano passado, a assessoria do Palácio do Planalto apontou “perseguiçã­o” ao então presidente ao rebater o inquérito da Polícia Federal. A assessoria disse que o pedido de apoio formal para campanhas eleitorais à Odebrecht ocorreu “dentro de todos ditames legais” e “todos os registros foram feitos em contas do PMDB e declarados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).”

A defesa de Yunes sustenta que ele não era intermediá­rio de ninguém e que nunca teve contato com os policiais.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO-11/1/2019 São Paulo. Antiga sede da Transnacio­nal, que contratava policiais para entregar dinheiro

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