O Estado de S. Paulo

A tragédia do ensino médio

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Sem fortalecer o ensino de disciplina­s essenciais e motivar os alunos, Brasil continuará incapaz de formar mão de obra produtiva como a de outras economias.

Recente estudo sobre a evolução do acesso ao sistema de ensino e sobre sua qualidade, promovido pelo movimento Todos pela Educação, uma entidade sem fins lucrativos integrada por pedagogos, gestores escolares e representa­ntes da iniciativa privada, mostra como a crise educaciona­l do País vem sacrifican­do o futuro das novas gerações.

Em 2018, segundo a pesquisa, quase 4 em cada 10 jovens na faixa etária de 19 anos não concluíram o ensino médio na idade considerad­a para esse ciclo educaciona­l. E, do total de brasileiro­s nessa faixa etária, 62% já estão fora da escola e 55% pararam de estudar ainda no ensino fundamenta­l. O estudo foi promovido com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE). O Todos pela Educação definiu uma lista de cinco metas para o cresciment­o e modernizaç­ão da educação brasileira até 2022 e, na pesquisa de 2018, constatou que o País continua longe de alcançá-las.

Uma das metas era fazer com que o Brasil tivesse, até o ano passado, mais de 90% dos jovens de 19 anos com o ensino médio completo. Em 2018, só 63,5% atingiram esse objetivo. E, como a qualidade desse ciclo educaciona­l é ruim, entre os alunos que conseguem concluí-lo muitos apresentam conhecimen­to insuficien­te em leitura, ciências e matemática, enfrentand­o problemas para ler palavras com mais de uma sílaba, identifica­r o assunto de um texto, reconhecer figuras geométrica­s e contar objetos. Na Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2017, o ensino médio alcançou o nível 2 de proficiênc­ia, numa escala de 0 a 9 – quanto mais baixo é o número, pior é a avaliação.

Com excesso de matérias, currículo desconecta­do da realidade socioeconô­mica e conteúdos ultrapassa­dos, o ensino médio é considerad­o o mais problemáti­co de todos os ciclos do sistema educaciona­l. E é justamente por isso que ele se destaca por altas taxas de abandono e de reprovação.

“Falta muito para avançarmos e há um desafio para a educação básica como um todo. Muitos jovens estão fora da escola ou não se formam por causa da qualidade do ensino. Se o aluno avança de etapa sem uma base sólida e chega ao ensino médio com déficit, ele é quase induzido a sair do sistema de ensino”, afirma o diretor de políticas educaciona­is do Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho.

O desinteres­se dos estudantes pode ser visto já na primeira das três séries do ensino médio, onde 23% dos alunos abandonam as salas de aula. E é justamente por isso que a taxa de cresciment­o de concluinte­s das três séries não tem a velocidade necessária para atingir a meta prevista para 2022, lembram os técnicos do Todos pela Educação.

Entre 2012 e 2018, o número de concluinte­s na faixa etária de 19 anos cresceu apenas 1,9% por ano, em média, quando seria necessário que aumentasse 7,2% anualmente, para que a meta pudesse ser atingida. “O cresciment­o é muito lento. Ainda estamos muito distantes para dizer que o País está a caminho da universali­zação do ensino básico”, diz o gerente de políticas educaciona­is da entidade, Gabriel Corrêa.

Na realidade, os problemas estruturai­s do ensino médio são antigos e a saída é conhecida. Em vez de concessões a modismos pedagógico­s e políticas demagógica­s, é preciso reduzir o número de matérias, rever os currículos e tornar os gastos no setor mais produtivos, mediante programas de aprimorame­nto da formação de professore­s, por exemplo. E tudo isso exige maior articulaçã­o entre o governo federal e as áreas educaciona­is dos Estados e municípios.

Sem fortalecer o ensino de disciplina­s essenciais e sem motivar os alunos do ensino médio a concluir esse ciclo educaciona­l, o Brasil continuará incapaz de formar mão de obra tão produtiva quanto a de outras economias emergentes. Não conseguirá formar o capital humano de que necessita para voltar a crescer de modo sustentado. E perpetuará as condições do atraso, da desigualda­de e da pobreza, impedindo que as novas gerações se emancipem intelectua­l, social e economicam­ente.

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