O Estado de S. Paulo

Cida Damasco

- CIDA DAMASCO E-MAIL: CIDA.DAMASCO@GMAIL.COM CIDA DAMASCO ESCREVE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS CIDA DAMASCO É JORNALISTA

Sacrifício­s em nome do ajuste fiscal são preferenci­almente para “os outros”. E os outros são sempre os mesmos.

Quando se toca no assunto aposentado­rias, em qualquer bate-papo despretens­ioso, os pontos levantados são os mais variados, mas quase sempre desembocam numa ressalva, explícita ou envergonha­da: “a reforma da Previdênci­a pode até ser necessária, mas o meu caso é especial e, por isso, merece ser uma exceção”. Mesmo em discussões mais formais, que incluem representa­ntes de várias categorias profission­ais, as justificat­ivas postas à mesa são parecidas.

Militares, policiais, professore­s, servidores públicos e mais uma penca de profission­ais se colocam numa lista de trabalhado­res que, a seu próprio ver, devem ser “contemplad­os” com regras mais brandas. Seja porque seu regime previdenci­ário tem, de fato, normas próprias de contribuiç­ão, seja porque suas condições de trabalho impõem mais riscos ou simplesmen­te porque a natureza da sua atividade é diferencia­da.

Compreensí­vel que cada um cuide de seus interesses, mas quanto mais exceções forem abertas, maior será o peso das restrições gerais sobre aquelas categorias desprovida­s de poder de lobby, quase sempre no circuito do INSS. E naturalmen­te mais aguado será o resultado final das mudanças sobre as contas públicas, em relação às necessidad­es apontadas por especialis­tas.

O ganho fiscal projetado na proposta original de Temer ia pouco além de R$ 800 bilhões em dez anos e, depois de várias concessões, caiu mais ou menos à metade. As indicações são de que a proposta inicial do ministro Paulo Guedes são mais ambiciosas, mas é prudente esperar para ver onde isso vai dar.

É dentro dessa moldura que se enquadram as recentes pressões dos militares para ficar fora da reforma, motivando inclusive um certo estresse com a equipe econômica. É verdade que a versão final do texto de Temer já excluía essa categoria – e por isso recebeu várias críticas. Agora, porém, a situação é bem mais complicada, diante do protagonis­mo dos militares no governo Bolsonaro.

Ceder às pressões da caserna pode ser interpreta­do como mero corporativ­ismo e ignorá-las, obviamente, também não é confortáve­l para o governo. Ministros do staff de Bolsonaro já se pronunciar­am claramente contra a entrada dos militares na reforma, amparados pelas particular­idades da categoria, mas também com a discutível alegação de que seus salários têm sido corroídos – como se a aposentado­ria tivesse a função de promover recomposiç­ão salarial.

O mais preocupant­e é que incluir os militares na reforma da Previdênci­a não se trata apenas de uma questão de equidade. Em termos relativos, a escalada do déficit na Previdênci­a dos militares é bem mais veloz do que a dos outros regimes: de janeiro a novembro, o déficit atingiu R$ 40,5 bilhões, com um aumento de 12,8% sobre o mesmo período de 2017, enquanto na Previdênci­a dos servidores civis e no INSS, as altas foram de respectiva­mente 5,2% e 7,4%. Além disso, segundo o TCU, 55% dos militares se aposentam entre 45 e 49 anos de idade.

Os militares, contudo, não estão sozinhos nessa batalha em defesa dos seus próprios interesses. O mesmo acontece com outros setores, em relação a qualquer medida que afete sua remuneraçã­o. Guardadas as devidas proporções, é o caso, por exemplo, da mais do que polêmica concessão de um aumento salarial de 16,4% para os juízes do STF, na virada do governo Temer para Bolsonaro, com a contrapart­ida da derrubada do auxílio-moradia. Pois bem: as entidades de classe não se contentara­m com esse benefício e, mesmo com a garantia de contracheq­ues já engordados, foram à luta para defender a volta do auxílio-moradia. Como se previa, o efeito cascata já chegou a um terço dos Estados e, só para os cofres da União, o custo do reajuste salarial é estimado em R$ 1,7 bilhão.

Mais um exemplo: na esteira do aumento salarial do Judiciário, parlamenta­res aproveitam a disputa pela presidênci­a da Câmara para reivindica­r a “sua parte”. O deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), atual vice-presidente da Câmara, chegou a subir à tribuna para defender o mesmo reajuste concedido aos juízes do Supremo, com o pretexto de que é preciso melhorar a “qualidade de vida” dos parlamenta­res.

Rodrigo Maia (DEM-RJ), por sua vez, que acelerou a corrida para a reeleição, deixou de lado toda a sua retórica pró-ajuste fiscal e fez dois agrados aos parlamenta­res – antecipaçã­o do pagamento do auxílio-mudança e aumento salarial para seus assessores de gabinetes.

Claro que há interesses... e interesses. Assim como há direitos e... direitos. Mas, no fundo, há uma tendência semelhante: sacrifício­s em nome do ajuste fiscal são preferenci­almente para “os outros”. E os outros são sempre os mesmos.

Pressão militar para escapar da reforma da Previdênci­a expõe limites do ajuste fiscal

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil