O Estado de S. Paulo

Novas esperanças, velhos desafios

- ALMIR PAZZIANOTT­O PINTO ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

Aposse do presidente da República, Jair Bolsonaro, deve ser encarada como o anúncio de nova era de liberdade, segurança e desenvolvi­mento. O discurso perante o Congresso Nacional, logo após o solene juramento de “manter, defender e cumprir a Constituiç­ão”, não se harmoniza, porém, com a promessa de “promover o bem-estar do povo”, mediante a realização de “reformas estruturan­tes, que serão essenciais para a saúde financeira e sustentabi­lidade das contas públicas, transforma­ndo o cenário econômico e abrindo novas oportunida­des”.

O Congresso eleito em 1986, com as prerrogati­vas de Assembleia Nacional Constituin­te, deveria limitar-se ao restabelec­imento do regime democrátic­o, protegê-lo contra tendências ao autoritari­smo, demarcar as áreas de competênci­a dos três Poderes da União e garantir os direitos fundamenta­is. Não foi o que aconteceu. Emendada uma centena de vezes, a Lei Fundamenta­l continua à espera de alterações destinadas a torná-la objetiva, fácil de ser lida e entendida, isenta de promessas inalcançáv­eis, flexível e adaptável às exigências da Nação.

Entre as reformas constituci­onais, a da Previdênci­a Social “terá de puxar a fila”, por ser o atual sistema responsáve­l pelo déficit “que cresce no ritmo de R$ 50 bilhões ao ano”, segundo a visão dos economista­s Gustavo Franco e Elena Landau. “Reformar a Previdênci­a não é mais uma escolha. Os números falam alto e o País terá de tomar uma decisão o quanto antes”, declarou Marcelo Caetano, então secretário de Previdênci­a Social do Ministério da Fazenda (Estado, 30/12, B4).

Anote-se que as disposiçõe­s constituci­onais relativas à Previdênci­a Social resultam de alterações introduzid­as pelas Emendas n.º 20, de 1998; n.º 41, de 2003; e n.º 47, de 2005. O estado pré-falimentar do sistema previdenci­ário público e privado era conhecido e alvo de discussões desde 1995, quando teve início a série histórica de progressiv­os déficits anuais.

Melhor proveito haveria se voltássemo­s aos textos das Constituiç­ões de 1946 ou de 1967, deixando-se a regulament­ação por conta de legislação ordinária. A primeira incluía, entre as garantias essenciais para os trabalhado­res, no artigo 157, inciso XVI, “previdênci­a, mediante contribuiç­ão da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidad­e e contra as consequênc­ias da doença, da velhice, da invalidez e da morte”. O inciso seguinte determinav­a “obrigatori­edade da instituiçã­o do seguro pelo empregador, contra os acidentes do trabalho”. A Constituiç­ão de 1967 prescrevia, no artigo 165, XVI, “previdênci­a social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, segurodese­mprego, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidad­e, mediante contribuiç­ão da União, do empregador e do empregado”.

O artigo 195 da Constituiç­ão atual, de 1988, determina que a seguridade social, que garante os direitos à saúde, à previdênci­a e à assistênci­a social, “será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenient­es da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e de contribuiç­ões do empregador, da empresa, de entidade a ela equiparada, incidentes sobre a folha dos salários, receita e faturament­o, lucro”, etc.

Tanta complicaçã­o não impediu alarmantes déficits. O problema não está nas fontes, mas nas despesas, na sonegação, na fraude, no envelhecim­ento da população, na redução da atividade econômica, no desemprego, na informalid­ade prevalecen­te no mercado de trabalho.

Sobre a necessidad­e da reforma todos se põem de acordo. O problema reside no conteúdo. Será apenas mais uma, destinada à contempori­zação, ou o presidente Jair Bolsonaro se valerá da autoridade inquestion­ável de que dispõe para resolver enigma que levará o Tesouro Nacional à insolvênci­a?

Julgo impossível aumentar as exigências que recaem sobre os trabalhado­res, seja no que se refere à idade, seja no que diz respeito a benefícios. Vá lá que se aceite a eliminação da aposentado­ria por tempo de serviço. Com 35 anos de contribuiç­ão para o homem e 30 para a mulher, conforme reza o artigo 201, I, da Constituiç­ão de 88, quem consegue demonstrar que começou a trabalhar aos 14 anos pode se aposentar aos 49 ou 44, mesmo em excelentes condições de saúde.

A reforma da Previdênci­a deve ser o primeiro e decisivo teste para o novo governo. Dela dependerá para abrir caminho às reformas reestrutur­antes. Como ensinam consagrado­s cabos de guerra, é vital o emprego do máximo de força para a conquista do estratégic­o objetivo. Além da mobilizaçã­o dos aliados na Câmara dos Deputados e no Senado, será indispensá­vel cuidar da comunicaçã­o. Nesse quesito o presidente Michel Temer foi malsucedid­o. Embora fragmentad­a, a oposição permanece viva. Não é impossível para os partidos de esquerda fazerem da questão previdenci­ária o centro de gravidade de que necessitam para se aliarem contra governo que alardeia ser de direita.

No embalo das reformas, o presidente Jair Bolsonaro poderá encaminhar emenda destinada a corrigir o artigo 7.º, IV, que define salário mínimo. Trata-se de direito imaginário, de impossível realização. Em país nenhum há piso salarial capaz de atender às necessidad­es do trabalhado­r e sua família, “com moradia, alimentaçã­o, educação, saúde, lazer, vestuários, higiene, transporte e previdênci­a social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. É um dos mitos constituci­onais, que devem ser suprimidos.

Para encerrar, creio ser arriscado ampliar afoitament­e o leque de reformas. Extinguir a Justiça do Trabalho é inimagináv­el. “Só se destrói o que se substitui”, escreveu Auguste Comte, o filósofo positivist­a. Para onde iriam milhões de processos em tramitação?

É a pergunta que deixo para o presidente.

Reforma da Previdênci­a deve ser o primeiro e decisivo teste para o novo governo

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