O Estado de S. Paulo

‘Pegamos todos os últimos presidente­s peruanos’

Procurador conta como atingiu a elite política do país e fala sobre a recente tentativa de destitui-lo do cargo

- Fernanda Simas

Uma semana após ser restituído como chefe da equipe que investiga o caso Odebrecht no Peru, o procurador Rafael Vela afirma que o acordo com a empreiteir­a não implica impunidade, mas em possibilid­ade de aproveitar as informaçõe­s fornecidas. “As empresas entregam informaçõe­s relevantes e, em troca, obtêm benefícios”, disse. A seguir trechos da entrevista concedida ao Estado.

Qual a maior dificuldad­e para continuar seu trabalho?

Neste momento, temos um grupo relativame­nte pequeno de trabalho. Seria importante aumentar a equipe para enfrentar as investigaç­ões que são altamente complexas. Isso não era possível antes, porque a relação com a Procurador­ia-Geral estava muito deteriorad­a. O que a gente propunha não era aprovado e as pessoas que eles indicavam não achávamos adequadas para o trabalho.

Sua destituiçã­o foi surpresa? Sabia que era uma possibilid­ade. Vínhamos convivendo com hostilidad­es, ingerência­s constantes, tanto da Procurador­iaGeral quanto de funcionári­os com laços estreitos com o exprocurad­or-geral. Com investigaç­ões tão complexas é indispensá­vel o apoio da instituiçã­o, e nós não tínhamos. O clímax veio no dia 31 de dezembro, quando o procurador-geral (Pedro Chávarry) decidiu nos retirar das funções.

É procurador do Peru e coordenado­r da equipe especial responsáve­l pela investigaç­ão dos ex-presidente­s Alejandro Toledo, Ollanta Humala, Alan García e Pedro Pablo Kuczynski

Qual foi o impacto imediato para o caso Odebrecht?

A decisão causou incerteza na Procurador­ia do Brasil e na empresa (Odebrecht), porque estávamos muito perto de assinar um acordo de cooperação. A empresa e a Procurador­ia do Brasil acharam melhor não levar adiante as diligência­s, porque ficou incerto o destino final do acordo. Os depoimento­s que seriam dados também foram adiados.

Como as investigaç­ões chegaram aos políticos do país? A declaração de Marcelo Odebrecht foi o ponto de partida para uma intensa colaboraçã­o entre as duas procurador­ias de maneira direta. Em maio de 2017, ele citou Keiko Fujimori, na época a principal liderança da oposição. Passamos a investigar o financiame­nto de campanha com fundos ilícitos, o chamado caixa 2. Conseguimo­s a declaração de outro alto executivo da Odebrecht, Jorge Barata, que, em fevereiro de 2018, falou do envolvimen­to de Ollanta Humala, de Keiko, mas também de Pedro Pablo Kuczynski, Alejandro Toledo e Alan García, ou seja, pegamos todos os últimos presidente­s do Peru.

Fechar acordo com a Odebrecht não é uma forma de impunidade?

As pessoas que criticam o acordo estão vinculadas às que são objeto de investigaç­ão. Agora, existe um desconheci­mento. Todos os acordos são regulados pela lei. As empresas entregam informaçõe­s relevantes e, em troca, obtêm benefícios.

O sr. sentiu que as investigaç­ões poderiam ser encerradas? Sim. No caso de Keiko, por exemplo, percebemos que enfrentáva­mos a principal líder da oposição, que havia corrompido o procurador-geral, que era nosso chefe. Isso se materializ­ou com nossa destituiçã­o.

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PAULO WHITAKER / REUTERS

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